José Saúde
Vasculhando uma das gavetas de um armário que
mantenho junto à minha secretária, recordei um rol de desenhos apoiados
em crónicas desportivas alentejanas trazidas à estampa pelo saudoso
Mário Elias, um mertolense que foi bolseiro da Gulbenkian e parceiro de
tertúlias na clássica Lisboa com os seus amigos Herberto, Cesariny,
entre outros confrades, aliás, um grupo onde se concentravam fidedignos
intelectuais. A sua eloquente e literal mestria na escrita muito o
ajudaram para desencantar antigos atletas do distrito de Beja. O tema,
nesse tempo, era inserido nas páginas do extinto jornal “O ÁS”. Os
textos, enriquecidos com excelentes desenhos, enobreciam personagens que
ele citava com elevada proficiência. O Mário era um homem simples.
Desarrumado, é verdade. Varão de um povo que muito o respeitava.
Recusava entrar pelo interior de uma sociedade que ele intitulava de
apodrecida. Corrompida. O seu anarquismo fez dele um senhor. Com ele
passei horas a ouvir as suas coerentes ideias. Rejeitava o mundo da
vaidade. As suas vestes anunciavam uma sincera humildade, não o conceito
de avareza. Uma humildade que se traduzia numa gigantesca grandeza de
espírito. O Mário era uma personalidade nobre. Pintor, jornalista e
escritor foram hobbies que lhe preencheram a alma. Foi aquilo que quis
ser. Abdicou de fatos de alta costura e de gravatas de seda. Não usou
chapéus de aba larga, sapatos de marca requintada, esferográficas de
etiqueta esmerada nem de explícitos compêndios onde expunha os seus
artigos. Conhecemo-lo com calções, de camisas debutadas, um gorro de lã
na cabeça, quer fizesse frio ou calor, cabelos esbranquiçados ao vento,
uns chinelos enfiados nos pés e um maço de papéis desalinhados debaixo
do braço que faziam parte do seu espólio literário. Olho para os seus
ilustres desenhos onde retratava craques e revejo a dinâmica que o Mário
impôs quando um dia se referiu ao seu pai, João Elias, um dos
fundadores do Guadiana Foot-Ball Clube, no ano de 1926. A ilustração
sensibilizou-me. A energia que o Mário incutiu na tela deu-lhe um maior
talento quando contemplamos na parte superior do plano o castelo da vila
de Mértola. Hoje, na orla do grande rio do sul é o Futebol Clube
Guadiana, fundado em 1 de janeiro de 1947, que dá ênfase aos adeptos da
bola na velhinha urbe. Recordando Mário Elias e as suas profícuas
narrativas desportivas.
Fonte: http://da.ambaal.pt/
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