sábado, 13 de agosto de 2022

Bola de trapos, edição de 12/8/2022, no Diário do Alentejo

 

José Saúde
Desportivamente: Fomos felizes? Sim, fomos!
Fomos crianças protagonistas de um filme a preto e branco, onde a fútil lembrança da velha portugalidade sintetizava a vontade de inadvertidos jovens que se entregavam com amor e paixão às diversificadas brincadeiras infantis. Jogávamos à pata, ao pau da lua, ao eixo, ao berlinde, ao peão, às escondidas, de entre muitos outros passatempos e imaginávamos o poder que o desporto acicatava em miúdos, onde prevalecia o deslumbramento pela prática desportiva. Vivemos debaixo das austeras imposições num Portugal onde as classes sociais se dividiam entre os ricos e os pobres. Ah, havia também os remediados. Conhecemos a época em que o fiado, quer na mercearia quer na taberna, impunha dependência em gentes que na altura, com poucas posses financeiras, assumiam honradamente o cumprimento do dever, liquidando, quando o podiam, a dívida entretanto acumulada. Nós crianças, quando nos apanhávamos com dois tostões no bolso, lá íamos a correr a caminho de uma loja para comprar rebuçados dos bonecos da bola. O ator principal e único na lata, cuja compra autenticava o fechar da caderna, tendo em conta que essa situação lhe dava direito à bola de catechu, sendo que esse objetivo se escapava a uma rapaziada que se via espoliada de tamanho sonho. Porém, fomos felizes nem que para tal jogássemos com uma bola de trapos, ou com uma bexiga de porco regateada num qualquer matadouro localizado em parte incerto do distrito. Sim, fomos também meninos onde muitos dos nossos companheiros jogavam à bola com os pés descalços, ao invés de outros que utilizavam os sapatos domingueiros. Vivemos num tempo onde o jogo da bola, pois nessa altura eram raras as modalidades disponíveis ou até conhecidas, nos estimulava para o prazer do divertimento. Conhecemos locais assimétricos em espaços que se assemelhavam a literais recreios divinais. Saudemos, com a devida amabilidade, aquelas manhãs e tardes em que grupos de rapazitos partiam com a ânsia em dar entusiásticos chutos na bola. Numa auto-observação a esses distantes prazos de vida, recordo aqueles pequenos campos para a exequível prática futeboleira que existiam espalhados pela cidade de Beja, aliás, a exemplo daquilo que se passava no mais recôndito lugar campestre existente em toda a nossa região. Nesses idos as eiras assumiam-se como os palcos mais desejados para a criançada exibir a sua arte futebolística. Existiam locais onde a malta, à socapa, se distraía com o futebol, mas sempre atentos ao polícia de giro que não dava tréguas à miudagem. Todavia, a evolução do tempo proporcionou a construção de infraestruturas desportivas que harmonizou a prática global de confortáveis modalidades, onde o seu progresso é inquestionavelmente um dado adquirido. Basta repousar o olhar nos êxitos dos nossos atletas além-fronteiras. Nós, desportivamente: Fomos felizes? Sim, fomos!

Fonte: Facebook de JOse Saude

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