DR
O angolano, “naturalizado” alentejano (Elvas), de 38 anos, é o atual Coordenador Técnico da Academia do Sporting e Voluntariado do Programa Escolhas. Entrevista concedida ao Diário de Noticias.
Como é que o futebol entrou na sua vida?
Eu nasci em Angola e vim com a minha família para Portugal, com dois anos. As dificuldades com que vivíamos nesse tempo, levaram os meus pais a encontrar soluções para satisfazer os filhos que implicassem um investimento mínimo e uma bola servia para muitos. A bola é o brinquedo que consegue satisfazer vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Nos éramos treze irmãos, oito rapazes e quatro raparigas e a bola era para nós uma alegria. Jogávamos de manhã à noite, entre nós e também com amigos do bairro onde vivíamos, em Elvas. Mais tarde, eu e mais quatro irmãos jogámos na primeira divisão.
O que é que foi mais importante nesse vosso percurso profissional?
Hoje tenho a oportunidade de observar os jovens “promessas” que estão na forja da Academia do Sporting e posso afirmar que noventa por cento dos resultados depende deles. É preciso ter qualidades para chegar à Academia, depois o treinador e o coordenador podem dar uma ajuda mas em última analise, é a vontade deles que é decisiva. Foi assim também comigo. Eu não tive uma formação especial no Sporting e atingi o mais alto nível. Isto é possível também para outros, se se esforçarem e se aplicarem. Mas tenho de dizer também que devo muito aos meus pais, aos valores que me transmitiram.
Que valores foram esses?
Foram por exemplo o rigor e a disciplina, que são fundamentais. As revistas não mostram esse lado dos craques, mas sem estes valores eles não seriam ninguém. É muito importante também o respeito pelos outros, que deve vir de cada um como uma coisa natural e não ter que ser imposta de fora.
Pessoalmente o que é que o futebol lhe deu?
Deu-me tanta coisa…A possibilidade de aprender e também de ensinar. Sempre vivi com o futebol como uma família. Comecei na família, que é muito unida, e foi aí que aprendi como a união entre as pessoas é tão importante, como juntos podemos ultrapassar todas as dificuldades e barreiras. É assim também numa equipa, que é tanto mais forte quanto mais unida souber ser. Em todos os grupos de trabalho por onde passei levei esta maneira de estar que passa por partilharmos juntos as alegrias e as tristezas e sei que hoje sou lembrado por isso.
E também fez amigos para a vida?
Sim, a bola foi um passaporte para fazer grandes amigos. Como já contei, no meu bairro jogávamos de manhã à noite e era impressionante a nossa ligação, a vontade de estarmos juntos nos torneios que organizávamos, nos trabalhos que fazíamos. Na altura havia muitas dificuldades, mas tínhamos uma grande vontade de as ultrapassar e crescer juntos. Era um sentimento tão forte, que continuamos amigos hoje, passados tantos anos. Desse núcleo duro, muitos chegaram a jogar na primeira divisão e vivemos muitas alegrias à volta do futebol.
O futebol foi também uma escola para si?
A escola principal é saber ouvir os outros e aprender com aqueles que já viveram mais e nos conseguem transmitir como é que podemos ter ou não sucesso. Felizmente tive a oportunidade de conhecer pessoas que me marcaram e me ensinaram a viver com intensidade o futebol. A minha aprendizagem no futebol não se limitou às duas horas de treino diário, mas passou também por sentir e respeitar cada colega que faz parte da mesma estrutura que, como já disse, sempre vi como uma família.
O futebol não é só campo…
Exactamente. Aí o rendimento pode até ser máximo, mas vem também do que está por trás dele. E há outras lições que são importantes e que devemos saber levar do campo para o resto da vida. Por exemplo, as compensações financeiras que se conseguem quando o trabalho é bom e que temos de saber gerir. Infelizmente tenho colegas que viveram essa bênção a cem à hora, que foram até muito bem remunerados, mas que não se preparam para aquilo que é uma carreira de curta duração e hoje estão a passar dificuldades. É muito importante saber apostar no equilíbrio.
O futebol não deve ser visto como um fim em si próprio?
Eu costumo dizer que devemos ser lembrados não pelo jogador que fomos, mas pelo homem que somos, porque um dia o jogador acaba. A fama, os holofotes, as palmadinhas nas costas acabam um dia e o que deve permanecer é uma pessoa que soube manter a dignidade. Isto tem um valor muito superior a tudo o que podemos comprar. O meu regresso ao Sporting é um exemplo disto mesmo. Eu não fui, nem de perto nem de longe dos melhores jogadores do clube, mas estou convencido que me voltaram a chamar para ser Coordenador Técnico da Formação, por causa do meu profissionalismo, dignidade e respeito pelos outros. Tudo isso foi sempre superior à minha prestação como jogador e por isso hoje, embora já não possa jogar, continuo a poder contribuir e a ter um papel no Sporting.
Sem comentários:
Enviar um comentário