sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Ex-libris


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José Saúde



Imponente, altaneiro e de uma excelência que fazia inveja ao mais incauto forasteiro, o chaparro, localizado junto à linha lateral do campo de futebol José Agostinho de Matos, em Cabeça Gorda, é inexoravelmente o ex-libris da urbe. Os seus tons outrora verdejantes, deram lugar a um pálido castanho. A sua morte parece anunciada. Sofre da praga que tem vitimizado outros comparsas e perdeu o conforto em acomodar espetadores que em tempos de canícula se deleitavam sob a sua ramagem. Chamavam-lhe o terceiro anel. Estrondosa foi a sua profícua utilidade ao longo dos anos. O chaparro, fidalgo de uma planície que honra o montado, conheceu instantes inesquecíveis. Foi soberano em acolher acontecimentos ímpares que o futebol rubricou com pompa e circunstancia no Clube Recreativo e Desportivo Cabeça Gorda. Conheceu o sabor amargo das derrotas e o brilhantismos das vitórias. O “Ferróbico”, como a plebe apelidou o popular clube da terra, conviveu com a sua majestosa relíquia. O chaparro criou, aliás, uma empatia colossal com a malta da bola. Recordo os tempos em que o “Ferróbico” disputava o campeonato da FNAT, agora Inatel, e a linha lateral estava sinalizada por debaixo da sua vasta rama. Lembro os tempos em que o saudoso Zé Carlos Dias se congratulava com o seu chaparro. O Zé travava diálogos fantásticos com o seu glorioso “monumento”. A sua narrativa, simples e cordial, motivava pretensões que ele próprio engendrava. E tinha razão porque muitos dos seus sonhos se tornaram realidade. O recinto, dantes exíguo, é hoje uma infraestrutura condigna onde um relvado sintético embeleza o espaço. Recordo as noites de verão no campo da bola onde a população se juntava para apreciar diversos acontecimentos da aldeia e se refrescava por debaixo do seu ancestral ex-libris. Noutras ocasiões a sua sombra enorme acolhia festas de finais de época. Hoje a velha azinheira confronta-se com momentos de agonia. Não sou profeta, porém não lhe auguro um futuro risonho. Morrerá de pé como todas as árvores. 

Fonte:  http://da.ambaal.pt

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