Desde 2001
que a maior região de Portugal não tem um clube na primeira divisão. Nem sempre
foi assim. Durante catorze anos consecutivos o Lusitano de Évora foi um espinho
cravado no centralismo português. A saga de um clube que se transformou na
bandeira desportiva do Alentejo.
A fusão do clube que custou um título
ao Benfica
A história
do futebol português conta apenas com três clubes do Alentejo com presenças na
divisão de elite. Nunca se cruzaram. Até 1945 o que era então a 1º Divisão,
estava reservada aos representantes de cinco federações. A competição era um
exclusivo de clubes de Lisboa, Porto, Coimbra e ocasionais representantes
algarvios e minhotos. Não havia qualquer conexão com a 2º Divisão, nem
despromoções nem promoções. A pressão institucional levou a Federação
Portuguesa de Futebol a ampliar duas novas vagas para duas regiões emergentes,
a Beira Litoral e o Alentejo e criar o sistema de subida e descida de divisão.
Foi o início da aventura alentejana na competição com a curta mas intensa
experiência do Elvas. O clube da fronteira começou por conquistar a sua vaga na
sua primeira encarnação, o Sport Lisboa e Elvas. Ao fim de dois anos de longas
e dispendiosas viagens, o SL Elvas – que equipava com o vermelho de rigor –
pediu ajuda financeira à casa-mãe, o Sport Lisboa e Benfica, para ajudar nos
gastos de deslocações. Os encarnados da capital negaram-se. A única solução
para o modesto clube era a fusão com o Sporting Clube de Elvas, a filial na
cidade da raia alentejana do Sporting CP. Ironicamente, o clube que então
militava no distrital, também tinha recebido a negativa da central de Lisboa
aos seus pedidos de ajuda económica através de um amigável disputado em Elvas
contra a equipa dos “Cinco Violinos”.
Sentindo-se
ostracizados pelas potências da capital, os dirigentes dos dois clubes de Elvas
puseram-se de acordo e propuseram aos adeptos a fusão das duas instituições. Em
Agosto de 1947 nasceu “O Elvas” a primeira grande potência do futebol
alentejano. Para evitar problemas, os dirigentes do novo clube abandonaram o
respectivo vermelho e verde dos seus antecessores e optaram pelas cores da
cidade, o azul e amarelo para o seu emblema e equipamento. A equipa estreou-se
na 1º Divisão, ocupando a vaga deixada pelo SL Elvas, e conseguiu assinar um
protocolo com o Real Madrid pelo que recebia algum jogador dispensado pelo
clube merengue. Para cimentar a sua relação com o futebol espanhol, a
apresentação da equipa foi feita contra o Sevilha. Era um início auspicioso que
na primeira temporada acabou com uma desforra especial. “O Elvas” foi vencer ao
Campo Grande o SL Benfica por 2-1, com golos do promissor avançado Patalino, a
duas jornadas do fim, entregando assim o título de bandeja ao Sporting CP e
ajustando contas pendentes. Foi o ponto alto da carreira de uma equipa que
terminou essa temporada num surpreendente oitavo lugar. Dois anos depois,
vitima dos problemas financeiros de tantas viagens por um Portugal ainda sem infra-estruturas
dignas desse nome, a equipa caiu na 2º Divisão onde ficaria até um fugaz
reaparecimento a meados dos anos oitenta. “O Elvas” tinha demonstrado que o
futebol alentejano merecia ter um representante na elite portuguesa mas coube
ao seu sucessor, o Lusitano de Évora, transformar o Alentejo num bastião de
difícil de conquistar.
Lusitano, o resistente contra o
Portugal litoral
Durante
anos, Juventude e Lusitano de Évora disputaram a primazia desportiva da capital
alentejana. Eram duelos
animados, intensos e que entusiasmavam a região provocando verdadeiras romarias
de espectadores das cidades vizinhas. Enquanto as famílias tomavam café à vista
do templo de Diana, os homens acudiam ao Campo Estrela ou ao Sanches Miranda
para assistir aos jogos entre os dois emblemas eborenses. Em 1952 a cidade
ganhou nova vida. O Lusitano foi promovido à 1º Divisão depois de vencer a
concorrência no escalão secundário com autoridade. Os rivais deixavam de ser o
União de Coimbra, o Sporting de Espinho ou o Leixões para passarem a ser o FC
Porto, Sporting CP e SL Benfica.
Na primeira
temporada, o Lusitano acabou o ano num espectacular sétimo posto, que incluiu
uma vitória sobre os “Cinco Violinos” campeões e sobre os azuis-e-brancos do
Porto, em casa. Foi o início de um ciclo de catorze temporadas consecutivas na
elite, superado no mesmo período de tempo apenas pelos quatro grandes da época
e pela Académica. Em 1957 a equipa alentejana alcançou a sua melhor
classificação de sempre, um quinto posto que nos tempos modernos teria dado
acesso às competições europeias. Os verde-e-brancos ficaram a apenas três
pontos do pódio graças, sobretudo, à qualidade individual de jogadores como
Falé, Vital e Patalino, o homem que recusou assinar com o Real Madrid para não
abandonar o seu Alentejo natal.
A saga dos
eborenses terminou em 1966, quando a equipa somou apenas catorze pontos em
vinte e oito jogos e acompanhou o Barreirense na viagem de volta à 2º Divisão.
O clube alentejano nunca mais voltou à elite do futebol português e durante
duas décadas o Alentejo voltou a sair do mapa do futebol português. Em 1982 a
equipa esteve perto de conseguir o objectivo, terminando à frente do Belenenses
na 2º Divisão. Forçados a disputar uma liguilha com o 13º classificado da 1º
Divisão (o Sporting de Espinho) e os restantes segundos das zonas norte e
centro (o Farense tinha vencido a zona sul com tranquilidade), a equipa acabou
por não estar à altura do desafio. Foi o principio do fim. Sem patrocinadores e
dinheiro, o futebol de primeira abandonou Évora para não mais voltar. O
Lusitano caiu para as divisões distritais e abandonou o profissionalismo.
A última oportunidade perdida do
Alentejo
O ciclo do
dinheiro tinha-se invertido e o litoralismo fazia-se sentir mais do que nunca,
sobretudo nas zonas industriais. Primeiro no eixo da margem sul do Tejo e
depois no vale do Ave. Foi, precisamente, o dinheiro de uma das marcas
portuguesas de maior sucesso dentro das empresas do interior, a Delta Cafés,
que possibilitou o último suspiro do futebol alentejano. A ascensão do
Campomaiorense foi curta mais intensa. O clube da pequena Campo Maior esteve
cinco temporadas na 1º Divisão, disputou uma final da Taça de Portugal e fez do
seu estádio uma réplica do Campo da Estrela, tornando-se num pesadelo para os
“Grandes”. Quando o investimento da Delta chegou ao fim o clube desapareceu do
mapa. Hoje não tem mais do que um centro de formação juvenil.
O futebol
português sempre foi um fenómeno urbano e litoral. Poucas regiões conseguiram
sobreviver com sucesso na elite sem um significativo apoio económico, seja
através de governos regionais (como no caso madeirense), seja através de
empresas e indústrias localizadas em pequenos centros de poder fora do eixo
Porto-Lisboa. O Alentejo sofreu, como qualquer outra região do interior, esse
ostracismo. Mas ao contrário das Beiras – com o Sporting da Covilhã e o Benfica
de Castelo Branco – ou o Trás-os-Montes do Desportivo de Chaves, o futebol
alentejano conseguiu desafiar durante um quarto de século o seu próprio destino.
E nenhum clube contribuiu mais para esse desafio a uma morte lenta e
angustiante como o Lusitano. O clube que fez Évora vibrar e com ela toda a
planície alentejana, sempre que a bola roçava o ar e adormecia tranquilamente
encostado à rede da baliza contrária.
(Miguel
Lourenço Pereira, in Futebol Magazine)
Publicado por Alentejo e Desporto
Fonte: http://alentejoedesporto.blogspot.pt
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