Treze de Novembro de 2017, três da tarde, Penedo Gordo. Foi nesta
pequena aldeia do concelho de Beja que Malick Sambou reencontrou a
felicidade. Há mais de um ano que este jovem senegalês de 20 anos não
participava num jogo oficial de futebol, mas quando entrou no campo
pelado com a camisola do Praia de Milfontes pôde (finalmente) voltar a
sorrir.
"Entrei em campo e parecia um jogador novo, foi muito bom para mim. Foi
especial! No aquecimento só pensava: 'Hoje vou jogar, finalmente vou
jogar'", recorda o atleta. "Digo sem vergonha que fiquei de lágrimas nos
olhos quando ele entrou. Foi um momento especial", acrescenta António
Friezas, vice-presidente do emblema de Vila Nova de Milfontes.
Mas para se perceber a importância daquela tarde de Novembro para Sambou
(e para toda a equipa do Praia de Milfontes) é preciso recuar até Março
de 2014, quando o jovem defesa central Malick aterrou em Lisboa
proveniente da cidade senegalesa de Kolda. Na bagagem trazia roupa, umas
botas e, sobretudo, o sonho de ser um craque na Europa do futebol, à
imagem do ídolo (e compatriota) El Hadji Diouf.
Sambou chegou a Portugal para jogar nos juniores do Oeiras, mas a
realidade que encontrou foi bem distinta daquela que lhe prometeram
ainda em África. Durante alguns meses dormiu debaixo da bancada do
estádio onde jogava e quando estava em vias de assinar contrato
profissional com o clube partiu um pé. De imediato deixou de ter
interesse. E quando se viu sem contrato e sem visto para continuar em
Portugal, a solução foi... fugir! "Pensei que se voltasse ao meu país
não conseguiria voltar à Europa. Não podia aceitar isso", conta ao "SW".
Foi então que em Agosto de 2015 rumou a Sines, para trabalhar nas obras.
E aí tentou novamente a sua sorte. "Fui treinar umas vezes ao Vasco da
Gama de Sines, mas eles não conseguiram resolver a minha situação",
lembra Sambou. O senegalês continuava sem clube, mas teve a sorte de os
dirigentes do emblema sineense contactarem o vice-presidente do Praia de
Milfontes. Semanas depois já estava em Vila Nova de Milfontes.
"Começou a vir treinar cá e rapidamente percebemos que para inscrevê-lo
como jogador seria muito complicado e não tínhamos a certeza de vir a
consegui-lo. Mas ficámos impressionados com a história de vida dele e
não conseguimos ficar indiferentes. E então a partir daí começou a ser
um de nós, passou a pertencer à família Praia de Milfontes e começámos a
criar condições para ele ter uma vida digna, ser auto-suficiente e não
depender de ninguém", conta António Friezas.
"Uma pessoa especial"
Mas desde que chegou a Vila Nova de Milfontes até ao dia em que se
estreou com a camisola do Praia, Sambou teve de aguardar até estar
legalizado em Portugal. Uma espera que levou mais de um ano e que exigiu
paciência e muita obstinação. "Foram tempos muito difíceis. Hoje um dia
é muito difícil viver sem papéis, não se pode fazer nada
Não posso
jogar à bola, não posso trabalhar. Mas agora está tudo resolvido, graça
aqui ao vice-presidente do Milfontes", diz de sorriso largo.
Ao lado, António Friezas recorda a "guerra com a burocracia" que teve de
travar em nome do amigo Malick. "Perdemos a conta às vezes que fomos a
Beja. E de cada vez chegávamos a ir quatro ou cinco vezes à Segurança
Social, outras tantas ao SEF e não saíamos do mesmo sítio. Mas nunca
desistimos", diz. "A sorte do Sambou é ele ser uma pessoa especial e ser
genuíno. Hoje, felizmente, está junto de nós e consegue fazer o que
mais gosta, que é jogar futebol", acrescenta.
Malick Sambou volta a sorrir. "Aqui toda a gente gosta de mim. Parece a
minha terra no Senegal, toda a gente fala comigo e gosta de mim. É uma
terra muito fixe, muito boa. Sinto que aqui é a minha terra. É o melhor
sítio de Portugal", diz o atleta senegalês, que também não poupa nos
elogios aos colegas de equipa. "São todos boas pessoas, parece a minha
família
Sinto-me mesmo muito bem aqui".
Fora do futebol, Sambou trabalha numa empresa de plantas decorativas e
até já tem a sua própria casa. Para trás ficaram os maus momentos. Tão
maus que nem sequer ousou contar à mãe e à restante família, que ainda
está no Senegal. "Eles não sabem a minha história. E quando voltar ao
Senegal é já com outra vida, muito diferente da que tinha", promete.
Mas tudo o que já passou em Portugal ficará para sempre na sua memória.
Marcas que ajudaram a moldar os sonhos que Sambou alimenta no presente.
"Agora só quero ajudar o Praia de Milfontes a estar em cima. Não sou um
grande jogador, mas vou fazer tudo para o Milfontes estar em cima".
Fonte: http://www.jornalsudoeste.com
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