sexta-feira, 12 de junho de 2020

Bola de trapos, edição de 12/06/2020 no Diário do Alentejo

José Saúde
Era uma vez…
Existem paradigmas populares que levam o mais dos incautos comum dos mortais a parafrasear princípios de contos aquando as nossas avós nos relatavam encantadoras histórias que deixavam a pequenada completamente pasmada. As explanações, que deslumbravam a irrequieta miudagem, iniciavam-se assim: Era uma vez…. Pois é, era uma vez um mundo desportivo onde proliferava uma velha e colateral amizade entre as cores clubistas que os adeptos, alguns ferrenhos, manifestamente exteriorizavam. Vivia-se num tempo em que a luta no interior das quatro linhas ditavam uma imensurável entrega dos jogadores ao duelo e a assistência aplaudia expansivamente o calor do dérbi. O público era ordeiro e estimulava, entre si, o padrão da cordialidade. O ópio do povo, isto é, a envolvência do futebol estabelecia balizas e as discordâncias não passavam de pequenos arrufos que terminavam com um abraço de afeição entre amigos. Era o tempo onde o prodígio desportivo colhia simpatia no seio de gentes que, após mais um dia de uma infatigável faina, se entregavam aos bélicos prazeres que a vida amiudadamente lhes proporcionava. Discutia-se, é verdade, mas as razões das discórdias eram geralmente pacíficas. Atualmente perderam-se esses inestimáveis valores, sobretudo os éticos. Os clubes autorizaram as claques organizadas e o antigo “vício do jogo da bola” enveredou por caminhos impensáveis. As claques são agora uma espécie de “instituições” que pressupostamente mandam nas gerências das coletividades. A sua força é de tal ordem que a classe dirigente se vê submissa a uma catrefa de desordeiros que vivem, alguns deles, à custa da receita alheia. Assumem-se como patronos do seu grémio, fazem faustosas vidas, pouco ou nada lhes é pedido, não pagam impostos ao Estado, vagueiam por mundos esquisitos e no preciso momento eis os rapazes a imporem ordens instigadoras. Neste contexto, sublinho que era uma vez um outro tempo, que felizmente conheci, onde tudo resvalava para meras discórdias e os instantes mais assovelados terminavam com um forte enlaço entre velhos opositores. Presentemente, todas estas praxes são filmes do canal da história. Ninguém se sente seguro. Ir a um qualquer estádio é um tremendo desafio e raros são aqueles que se atrevem em levar a família a um divertimento futebolístico. Antes tudo era uma alegria. Levava-se o farnel e confraternizava-se. Ia-se na paz dos anjos e regressava-se com a pacificação que a viagem de volta por norma aconselhava. Agora agridem-se atletas, invadem-se espaços tidos como proibitivos, os desordeiros enfrentam os governantes desportivos e os heróis da desgraça dão-se ao luxo de tudo intimidarem. Esta não é de facto a minha praia. Era uma vez… um outro tempo pautado pela honestidade, serenidade, companheirismo, estima ao próximo e sobretudo pelo respeito por uma sociedade desportiva que, mesmo oprimida, debitava um literal encanto.Fonte: Facebook de Jose saude

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