sábado, 31 de outubro de 2020

BOLA DE TRAPOS, edição de 30 de outubro de 2020 no Diário do Alentejo

 

JOSÉ SAÚDE
‘Manel’ Trincalhetas
Elegante a sair dos postes, ou entre eles, equipamento que lhe assentava no corpo como uma luva, sempre de joelheiras e boné, o antigo guarda-redes fez furor ao largo de várias épocas ao serviço do Luso Sporting Clube. Aliás, esta antiga glória espalhou confiança no fenómeno desportivo alentejano, marcando gerações que viram nele um dos prodígios que deixou escola na arte do jogo da bola. Manuel Joaquim Trincalhetas nasceu a 25 de outubro de 1914, em Beja, e foi oriundo de uma estirpe de jogadores onde o talento proliferava. Homem bom, de sorriso aberto e que nunca virava a cara à luta, ‘Manel’ Trincalhetas soltava exímios saberes no talentoso universo futebolístico, iniciando-se em jogos de rua com uma bola de trapos. O Luso foi uma das suas grandes paixões. Mas, em final de carreira, usufruiu de uma passagem pelo Despertar. Na obra “Glórias do Passado I” deixou explícito a razão de tal experiência: “Fui para o Despertar numa altura em que tive um desaguisado com o Gil. O guarda-redes do Despertar era o Zé Cuco, um belíssimo guardião, mas muito medroso, e eu, aos poucos, fui-me impondo e passei a titular”. Após terminar a refulgente carreira como atleta e levando consigo o coração cheio das tardes de excelentes reputações que proporcionou expansivamente ao clã desportivo bejense, o “tio Manel’ foi um exímio treinador e, mais tarde, massagista. Foi, também, um dos primeiros treinadores portugueses diplomados, tirando o curso no ano de 1950. Sob a sua orientação técnica, o Desportivo de Beja disputou a II Divisão Nacional na época de 1963/64, tendo antes viajado pelo Sporting de Cuba e Ferreira do Alentejo. “Em Ferreira estive como treinador numa equipa que se sagrou campeã na Mocidade Portuguesa e que fundou o Sporting Ferreirense. Treinávamos num campo de barro, sem condições, mas sob a grande influência do padre Alcobia o clube cresceu e seguiu em frente”. Essa equipa defrontou o Liceu de Beja e o título foi atribuído pelo maior número de cantos apontados, sendo o resultado final 0-0. ‘Manel’ Trincalhetas abordava a tática do WM com frequência: “O futebol perdeu beleza. As táticas são demasiado defensivas. Joga-se com um avançado e a meta dos treinadores é que a sua equipa não sofra golos. No meu tempo sofríamos golos, mas também marcávamos. O golo é a beleza do futebol”. E era assim que ‘Manel’ Trincalhetas, um dos grandes mestres do futebol de então, expunha as suas eficazes ideias em prol de uma modalidade que há muito reclama idoneidade. Sim, porque a “máquina” do futebol, fazedor de sonhos, enveredou por caminhos, quiçá impensáveis, onde a austeridade foi chão que já deu uvas. Os valores envolvidos são astronómicos e o progredir do jogo envolveu-se num emaranhado mundo de negócios onde se multiplica o secretismo. Longe vão os tempos em que se jogava à bola a troco de um petisco e nada se pedia em troca pela permuta de sublimes esforços físicos!

Fonte: Facebook de Jose Saude

Sem comentários:

Enviar um comentário