Estou velho!
Sim, estou velho! Sim, o tempo, esse eterno vadio, já voou. Dissipou-se. As gotas de orvalho dos tempos, os nossos, diluem-se a uma velocidade alucinante. O meu rosto determina uma idade já avançada (71 anos). Sim, porque a saudade mata devagarinho os anos já consumidos pela natureza das eras passadas. Sim, essa tal melancolia que parece distante, perdeu-se pela fresta de uma porta que se foi definhando com o declinar das épocas. Vagueio pelo trilho, quiçá desarmadilhado (julgo), de uma vereda que inevitavelmente vai estreitando. Sim, esta é uma das inevitáveis realidades que o ser humano literalmente terá de compreender e aceitar.
Curvo-me perante a transformação física do meu corpo. É verdade. Não o escondo. Mas atenção: ainda não me considero um trapo. Talvez um trapo feito de um gracioso fio de seda das arábias, mas sim impregnado de uma juventude já perdida. Ficaram os cheiros que dantes me arregalaram as narinas. Ou, o toque em “matéria humana proibida” onde proliferavam memoráveis mistérios. Sim, esses frenéticos momentos continuam emoldurados na minha mente, mas com traços de um puro êxtase dantes ocorrido. Tudo são agora somente memórias.
Recreio-me com a saudade. O que fiz e o que deixei de fazer. O meu corpo, outrora atlético, está velho. Cansado de um AVC que já leva quase 16 anos de existência. De uma aldeia, a minha sempre querida Aldeia Nova de São Bento onde nasci, a metrópoles de maior dimensão, de tudo conheci. Conheci e fiz amizades. Tudo, porém, foi ontem. E foi ontem que brinquei com os meus amigos no Largo do Ferreira, lá para as bandas do Algés. Do João Luís, ao João Ferro, António, vulgo “Enxerto”, António e Bento Charrinho, dois irmãos infelizmente já desaparecidos, Manel “Galha Galha”, Bento “Tomba Lobos”, Chico do Toril, e o João Cheta, de entre muitos outros, foram companheiros no jogo de futebol com uma bola de trapos, ou com uma bexiga de porco regateada no mercado da aldeia. As leis, então impostas pela rapaziada, impunham que o jogo terminava aos “10”, a mudança de campo aos “5” e as balizas eram delimitadas com duas pedras, sendo que o retângulo de jogo, desproporcionado, não tinha linhas que limitassem o espaço.
Veio-me, igualmente, à memória os amigos e as brincadeiras com a miudagem do Rossio Pequeno, aquando habitava com a minha avó Ana, mãe da minha mãe. O Serôdio, João Ferrão, Bento “Jipe”, Rosa, Zé Lebre, Zé “Forca”, Zé Alho, Monge, Romeu e tantos outros. Recordações que ficarão em nós memorizadas para a eternidade. Ah, e as noites passadas no “lisinho” do senhor Luís Horta? Tempos áureos que nunca mais voltarão.
Mas, eis que numa elementar reciclagem feita à razão desta minha existência, revejo, com saudade, a mocidade perdida e uma vida preenchida de aventuras e desventuras. Ninguém é perfeito e eu também o não fui e nem tão-pouco o sou e, logicamente, jamais o serei.
Sai do meu recanto sagrado, ou seja, da minha sempre querida e adorada Aldeia Nova de São Bento, muito novo com destino a Beja, urbe onde concluí a instrução primária e onde fiz grande parte da minha vida. Todavia, jamais renunciei uma ida ao torrão sagrado que me viu nascer e me consumirá para a eternidade.
Neste contexto, eis-me a contemplar orgulhosamente a Festa das Santas Cruzes. Sim, a Festa das Santas Cruzes sempre deu e trouxe ao povo aldenovense uma eloquente vivacidade. A pandemia recente, covid-19, determinou a sua suspensão nos dois últimos anos.
Todavia, a alegria da gente aldeão renasceu; as pessoas regressaram ao convívio; famílias e amigos reencontraram-se; os espaços públicos encheram-se de pessoas; as procissões religiosas percorreram as ruas do povoado e a multidão aderiu; as Santas Cruzes, feitas em casa de devotos, foram motivo de enorme alegria e observação; pelas ruas passearam-se pessoas quer estas fossem de origem local, quer fossem forasteiros; o Cruzeiro albergou um mar de gentes; soou-se o rebentar dos foguetes; os cafés e outros estabelecimentos de consumo faturaram; revi e cruzei-me com amigos e vivemos tempos idos; enfim, este foi, de facto, um momento para recordar.
Festa das Cruzes e o seu divino salto para a liberdade de um povo que se vira amedrontado por uma pandemia que, ao princípio, parecia não dar tréguas.
Parabéns à Comissão de Festas das Santas Cruzes pela sua dedicação a um evento de grandeza maior e que é... nosso!
Partilho para os meus amigos em geral, e com um justo realce, aquilo que escrevi para os blogues da minha aldeia, sobre este fim-de-semana que passei junto a um povo que ainda hoje me preenche a alma.
Abraços e beijos deste já vosso velho amigo e conterrâneo!
José Saúde
Fonte: Facebook de Jose Saude.
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