É na travessa do Alto dos Moinhos, em Ervidel, que o maratonista Alberto Chaíça guarda muitos dos símbolos da sua bem-sucedida carreira de atleta.
Texto e foto Firmino Paixão
O velho moinho já não tem as velas de outrora, mas a ambição e o orgulho do segundo melhor atleta português certamente que fariam mover as mós e dariam asas aos sonhos do homem humilde, conhecedor da realidade do atletismo português e que chama as coisas pelos nomes. Um campeão. Poucas horas depois de terminar a maratona de Londres dos Jogos Olímpicos, onde não esteve porque ficou a 22 segundos dos mínimos exigidos, Alberto Chaíça, 38 anos, abriu-nos as portas da sua sala de troféus. Mal refeito dos fracos resultados da representação nacional em Londres e a receber mensagens de amigos a dizer-lhe Oh Alberto, tu mesmo a treinar farias melhor do que eles.
Foi duro, e ainda mais duro quando depois se repescam atletas que, na maratona, nem têm o historial que eu tenho, nem deram as alegrias que eu dei ao País. Assim reagiu Chaíça quando lhe recordámos os 22 segundos que o afastaram de Londres em detrimento de repescados: É completamente ridículo. Mais uma vez fui um bastardo.
Um mero acaso do destino fez com que Alberto nascesse em Monte da Caparica quando toda a sua família viu a luz do dia na freguesia de Ervidel, mas esta é a sua terra adotiva, o seu porto de abrigo: Quando cá venho digo que vou à terra. Inspira-me esta paz e o sossego, passei aqui a minha mocidade. O atleta do Sport União Caparica (SUC) recorda que ainda rapazito de escola fazia os corta-matos escolares: Não é que na altura gostasse, nessa idade queríamos era jogar à bola, mas quando os fazia era sempre a ganhar. Os meus ídolos? Eram Carlos Lopes e Rosa Mota, era pequenino e foram eles que iluminaram a minha estrelinha.
Chaíça começou pelas provas populares e destaca o Troféu de Almada, uma prova que já não existe, mas de onde saíram muitos Chaíças, e por ali foi progredindo em provas distritais e alguns títulos regionais.
Aos 25 anos tornou-se atleta de alta competição, mas lembra: Não entrei logo, andei sempre preso por centésimos para ganhar esse estatuto. Quando fiz a transição do SUC para o Maratona Clube de Portugal já andava na roda da alta competição e quando me estreei nos 5 000m fiquei a sete centésimos de me darem uma bolsa de 30 contos. Mas não deram, por isso Chaíça acusa: Fui um filho bastardo para a Federação Portuguesa de Atletismo, deixaram-me sempre pendurado por centésimos de segundo, o que é ridículo para um fundista. O atleta de Ervidel ironiza: Tem graça que eu comecei no atletismo ao contrário dos outros. Enquanto os jovens entram pelos 800, 1 500, 3 000m, eu era juvenil e já corria os 25 quilómetros jumbo, entre Cascais e Alfragide. Sempre fui um fundista.
E na vida pessoal também o tem sido? Naturalmente, filho de pais emigrantes, saído de uma terra no interior do Alentejo, tudo o que consegui foi a pulso, com muito trabalho e muita dedicação. Com o coração mais aberto confessou: Tinha como meta deixar as sapatilhas nestes jogos olímpicos, ia lá dar o meu melhor, não defraudar a minha camisola e a nossa bandeira, como sempre fiz, e não consegui, fiquei triste comigo, magoado com o destino. Uma desilusão justificada: Foram 20 anos em que não estive a 100 por cento com a minha família, nem acompanhei o crescimento da minha filha, e todos eles sofreram com isto. Vivemos das alegrias que damos ao País, mas há sempre alguém, que é a família, que se priva de nós.
Soa a renúncia mas o atleta nega: Nunca baixei os braços, se tiver que ir ainda a uma competição internacional irei, mesmo que tenha 50 anos, agora não abdico mais da minha família como fiz no passado, e levei muito pontapé. Se não tivesse investido na minha profissão acabava uma carreira de 29 anos num país que tem uma federação e um comité olímpico que não olha para os seus atletas, terminem, ou não, a sua carreira. Alberto Chaíça correu grandes maratonas, foi 8.º nos Jogos Olímpicos de Atenas, 4.º nos Mundiais de Paris, medalha de prata nos Europeus de Gotemburgo e assume: Sou o segundo melhor atleta de sempre nas grandes competições, o meu tempo de 2.09,25 ainda é a oitava melhor marca mundial de sempre na maratona, não caí de paraquedas no atletismo, só tenho um homem à minha frente que é o Carlos Lopes, e isso é um orgulho.
E o que leva este homem do atletismo? As glórias para o meu País e o dinheiro que ganhei. Nenhum atleta tem coragem para dizer isto, mas eu digo. Sempre convivi com o sucesso com humildade, quem me conheceu antes e depois se ter feito o que já fiz vê que sou o mesmo.
Em Ervidel tem um torneio de futebol com o seu nome, mas lamenta a inexistência de uma equipa de atletismo. Alberto Chaíça, fisioterapeuta e maratonista, nasceu no mesmo dia do poeta e romancista português Guerra Junqueiro, e a sua vida será um poema ou um romance? Tem um pouco de romance com algumas peripécias pelo meio, tenho uma longa história de vida pessoal e desportiva que daria um bom livro, quem sabe se um dia ele não será escrito.
Fonte: http://da.ambaal.pt/
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