quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

João Prates - «Na Arábia há padrinhos mas comigo quem não treina não joga»

João Prates, 42 anos, treinador do Hajer FC, da Arábia Saudita, falou a A BOLA em agosto, pouco depois de ter iniciado a sua aventura em terras estrangeiras. Agora, seis meses depois, o português pode gabar-se de alguns feitos misturados de… resistência.
Já vão para oito os treinadores despedidos no Hajer FC, na equipa principal, nos sub-23, nos sub-17, e até, na formação. A única equipa técnica que se mantém intacta é a dos sub-20 do clube, ou seja, João Prates.
«Aqui vive-se unicamente o momento e trabalha-se de impulsos, o que, por vezes, dificulta o trabalho», desabafou o treinador luso que explica que um dos seus colegas foi demitido apenas por ter somado dois empates em cinco jogos.
Além do feito de resistir à imprevisibilidade do povo árabe, João já soma outros factos de assinalar. De todas as equipas do Hajer FC, o plantel às suas ordens é o único do clube que não está em posição de descida – encontra-se a meio da tabela classificativa do campeonato.
«Sinto alguma pressão porque na Arábia há aquilo a que chamam de ‘padrinhos’ (‘Wasta’, em árabe) e há jogadores que têm alguma proteção, mas comigo quem não treina não joga. Algumas situações tornam-se complicadas de gerir, contudo tento ser justo nas minhas escolhas», admitiu o treinador português.
Em dois jogos com o Al Ahly, líder do campeonato e clube de topo da Arábia Saudita, o Hajer FC conseguiu somar quatro pontos, acontecimento que ainda nenhuma outra equipa se pode regozijar de ter alcançado, visto que o Al Ahly ainda não perdeu esta temporada. João mostra-se orgulhoso do desempenho e prestação da equipa e acredita que o facto de ser português o tem ajudado a fazer história além-fronteiras.
«Os portugueses têm uma maior facilidade em se adaptarem a um novo meio, uma nova cultura, uma nova mentalidade e isso foi-me muito útil. Primeiro é preciso observar porque quem já treinou na Arábia Saudita sabe as dificuldades com que se debateu. Mas desde o início que fui claro: quem não marca presença nos treinos e treina o mínimo não tem hipótese de jogar. Depois tentei transmitir aos jogadores aquilo que é a minha ideia de jogo. Apesar de sermos um clube pequeno podemos vencer qualquer jogo, o que torna o treino mais atrativo para os jogadores», receitou João Prates para a fórmula do sucesso que tem dito por terras árabes.
O treinador está agora a escrever um livro que relata a sua experiência, o que sente quem deixa Portugal em busca de um sonho, as vitórias e os desafios pelos quais passam os emigrantes.
«O meu intuito é o de ajudar quem está ou vai estar na mesma situação que eu. Por vezes, temos a ideia de que a vida é mais fácil do que aquilo que é. Vamos ao desconhecido, sem nome, e por mais bem preparados que nos possamos sentir, nunca o estaremos realmente, porque quando saímos da nossa zona de conforto tudo tem um significado diferente. Vivemos coisas que jamais imaginaríamos», testemunhou João.
Relativamente aos atentados de que a Arábia Saudita tem sido alvo nos últimos tempos e mais especificamente a cidade onde João vive, Al Asha, o treinador mostra-se receoso, mas tenta não estar focado em algo que não pode controlar.
«A única coisa que desejo é não estar no local errado à hora errada e continuar concentrado no meu trabalho. Causa-me receio, mas não posso mudar nada. Tento ao máximo não pensar nisso, estando consciente de que algo pode acontecer», concluiu.
(Susana Janota, A Bola)

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