sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Bola

José Saúde

Numa vistoria, quiçá rudimentar, feita à essência do maravilhoso cosmos futebolístico, deparo-me com um colorido de adornos que transformaram por completo as reminiscências desportivas onde a bola sempre evoluiu com o desenrolar das épocas. A bola, esfera saltitante e de agitações estrondosas, tem tido um progresso constante relativamente aos materiais utilizados na sua feitura. As primeiras bolas terão sido feitas de tramas agora inimagináveis. Nesta panóplia de fantasias, ocorre-me trazer à estampa as antigas bolas de trapos, feitas de meias atulhadas com tecidos caducos e surripiados às mães, e que tanto jeito davam a uma caterva de moços que se deliciavam com a novidade. Alguns descalços, outros com botas finas de cabedal, havendo também aqueles que calçavam as interessáveis borracheiras, novidade da época em tempo de chuva, a malta juntava-se e toca a dar chutos na redondinha. Num campo de todo dissimétrico onde as fictícias linhas de jogo definiam um pressuposto retângulo oficial, sendo as balizas sinalizadas com duas pedras, os putos, qual bando de pardais à solta, desafiavam os ponteiros do relógio da torre da igreja lá da terra e partiam para uma jogatana que terminava aos 10, mas com a mudança de campo a ter lugar aos cinco. Recordo, com uma saudade imensa, quando aparecia um jovem, filho de gente abastada, com uma bola de borracha amarela, marca Pirelli, a fazer inveja à raia miúda. Uns concretizavam o sonho ao pontapearem o esférico; outros, ficavam-se pela utopia porque, entretanto, não foram chamados para integrar uma das equipas cujos nomes eram pronunciados em voz alta. Depois, numa fase posterior, vieram as bolas em cautchou, manuseadas em couro, que compensavam o gozo da rapaziada. Estas, em feitio de gomos, eram acabadas com uma rodela numa das extremidades para salvaguardar o pipo que resguardava o balão interior cheio de ar. Na era presente tudo isto são veleidades do passado. A beleza da bola rejubila os artistas e o público rende-se às suas maquiavélicas ações. Os remates dos craques deixam o público em frenesi. Recordo aqueles dérbis em tardes de invernia que levavam a miudagem à exaustão face ao peso das bolas de cautchou completamente encharcadas de água. Agora, o seu peso é diminuto e a criançada recreia-se com as excelentes condições que o esférico oferece. Os miúdos, atualmente, são portadores de honrosas experiências sobre uma bola que continua em manter sonhos discretos. Longe vão os tempos em que a malta andava de bairro em bairro com uma bola de trapos debaixo do braço desafiando outros comparsas para um desafio emocional. Tempos que já lá vão!
Fonte: http://da.ambaal.pt/

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