José Saúde
O “Cortiço”
O burgo de Beja perdeu valores
desportivos que a longevidade da idade submete o mais incauto cidadão à
inexistência de sublimes lugares de outrora e de pessoas que fizeram da
cidade um imenso mar de referências. Somos de um tempo em que
privilegiamos o profícuo conhecimento de espaços de comes e bebes e de
homens que foram atores no prodígio futebolístico. Falo, infelizmente,
da morte de Francisco Luís Crujo, vulgo Margato, no passado 9 de
dezembro de 2018 e que contava 86 anos. Não sendo um craque de primeira
linha, o Chico Margato foi jogador do Despertar e era irmão do Zé e do
João, antigos árbitros de futebol. Para que não subsistam dúvidas acerca
da sua atividade, apresentamos um onze do velhinho “Rasga”, creio de
princípios de 1950, onde se regista a sua presença: Raposo, Passinhas,
Margato, Darvim Borges, Torpes, Penas, Carlos Abelha, Fanga, Ramiro,
Álvaro e Valadas. A vida do Chico no mundo do trabalho passou pelo Café
“Cortiço”, como empregado de mesa. Dele contavam-se “estórias”
mirabolantes. Mestre em sensos contabilísticos, quando o freguês lhe
solicitava a importância a pagar, o nosso saudoso amigo puxava pela
esferográfica, somava as parcelas e em voz sumida expressava para os
seus botões: “oito e um nove e vai um”. Comentava-se, à boca cheia, as
suas lúdicas distrações na hora do cliente liquidar a despesa. Ou seja,
as propositadas sobras lá lhe iam “anafando” os bolsos que entretanto se
esvaziariam instantes depois. Aliás, nunca o vi fazer uma vida próspera
monetariamente, nem tão-pouco esbanjando tesouros amealhados, acabando
os seus dias de vida no Lar Nobre Freire, em Beja. Mas o “Cortiço” era
um lugar sagrado para o pessoal da bola. Por detrás do balcão estava a
dupla formada pelo irmãos Caetano e Marcelino. O velho capitão Marcelino
foi um jogador de classe refinada. Fez e deixou esplêndidas gestas no
seu inventário. Quem entrasse naquele mítico Café não fugia à temática
da bola que nesses tempos dava brado. Ali ouviam-se as novidades,
sabiam-se os resultados e as classificações dos clubes. Ao sabor de uma
fina imperial e de um pastel de bacalhau quentinho e com mostarda a
adornar o pitéu , trocavam-se conversas, perspetivavam-se as jornadas
futuras do Desportivo, em particular, a influência das aquisições de
entre outros temas abordados. O “Cortiço” foi um berço por onde passaram
homens do desporto vindos de todo o lado. A talho de foice indico, com a
merecida justiça, Veiga Trigo, antigo árbitro internacional de futebol,
e que por lá passou como funcionário. Resumidamente direi que o
“Cortiço” se assumiu como um berço de eloquentes emoções e de bem-vindos
falatórios em períodos fulgentes onde o êxtase desportivo absorvia
mensageiros que levavam e traziam notícias.
Fonte: Facebook de Jose Saude
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