José Saúde
O futebol de rua
Numa meticulosa jornada
aos misteriosos conteúdos desportivos, aportamos no admirável futebol de
rua, viajamos por tempos áureos e revemos imagens literalmente
inesquecíveis. Da velha artéria de aldeia, vila ou cidade, ao bairro
mais árido deste infinito planeta, passando pelas favelas ou guetos de
vivência extrema onde as carências ditam tácitas ordens gregárias, para
além das típicas savanas africanas, o futebol criou raízes profundas
numa sociedade que se moldou a uma modalidade onde o ocasional
mendicante se transformou num homem reconhecido e senhor de uma conduta
social que o eleva a um supremo deus implacavelmente adorado. Na alta
competição sempre proliferaram atletas oriundos do trivial futebol de
rua. Homens que se imiscuíram depois num grupo distinto de uma sociedade
onde os efémeros sonhos se tornaram realidade. Lembro, enquanto
criança, me deparar com jovens que cedo manifestavam talento para
acarinharem a preceito a mítica bola, não obstante a sua matéria prima
se rotulasse como de trapos. O requinte do pormenor inserido na figura
franzina do fedelho, suscitava interesse naquele velho olheiro que
passava horas a fio a deliciar-se com os feitos da miudagem. Na verdade
ninguém lhes ensinara a forma de jogar, logo a apetência do garoto era
nata. O momento do passe, do remate, do golo ou da aprimorada finta,
exalava o cheiro de um fino bálsamo e suscitava cavaqueira entre grupos
que viviam entusiasticamente o esplêndido fenómeno futebolístico. Mais
tarde alguns assumiram o estatuto de genuínos craques. Levaram, e levam,
multidões ao êxtase e são merecedores de efetivos aplausos. Uns
construíram uma vida de sucesso, outros, porém, caíram em armadilhadas
nunca acauteladas. Perderam-se no tempo e nas ratoeiras de uma faustosa
vida onde acabaram como vítimas da desgraça. Do sucesso ao insucesso vai
um pequeno passo. Mas o verídico craque traça planos vindouros, arruma
convincentemente o seu ego e não se deixa arrastar pela vaidade que o
êxtase do momento convictamente lhe proporciona. A solução plausível
para desbravar airosamente este mundo de ilusões está, a meu ver, na
génese do próprio jogador. Mas, existem alguns que constroem castelos de
areia que resvalam para a impiedosa fantasia que atira os seus parcos
haveres para o banco do jardim. Conheço o futebol já lá vão algumas
décadas e percebo a razão que levou alguns a singraram na vida. Todavia,
existem outros que se deixaram embrulhar numa teia implacável e que os
atirou para o anonimato. Envolveram-se em universos esquisitos onde a
calamidade dita ordem. Foram apanhados pelas amarras do consumo.
Ganharam e gastaram. Pouco ou nada sobrou. Neste cenário de falsidades
em que o desporto é fértil, fica a convicção que no futebol de rua
nasceram artistas que nalguns dos casos o cosmos da bola nefastamente
consumiu.
Fonte. Facebook de Jose saude.
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