sexta-feira, 30 de agosto de 2019

José Apolinário: Memórias


Texto e foto Firmino Paixão

“Fui jogador do Clube Desportivo de Beja durante seis épocas, entre os meus 21 e 27 anos, quando o clube estava na 2.ª divisão nacional. Joguei em quase todas as posições: médio, defesa central, defesas laterais, extremo, avançado. Conforme as necessidades da equipa, assim eu jogava. Era polivalente, mas não sou capaz de me avaliar como jogador, quem me via jogar é que poderia avaliar a minha capacidade e o valor que, eventualmente, teria. Eu não sou capaz de o fazer”.

Nem seria necessário esse exercício de autoavaliação, porquanto todos os que, nos primeiros anos da década de Cinquenta, tiveram a felicidade de ver José Apolinário a jogar futebol, testemunharam o seu talento, versatilidade, inteligência e disponibilidade para o jogo. Ainda assim, com a sua natural modéstia, diz: “Sabia que era sempre titular na equipa, porque, isso de poder jogar em todos os lugares, era uma prova da minha disponibilidade para contarem sempre comigo”.

José Apolinário nasceu em Sines há 87 anos e foi naquela cidade do litoral alentejano que começou a carreira desportiva. “Revelei algum gosto pelo jogo da bola, não sei se talento, e fui assediado por pessoas de Sines que estavam ligadas ao futebol. Então, iniciei-me no Sport Lisboa e Sines, um clube que existia na época, onde estive durante três temporadas”.

Mostrou qualidade, deu nas vistas e, de uma forma absolutamente natural, “surgiram vários convites, entre eles, um do Lusitano de Évora que, na altura, estava na primeira divisão nacional”, recorda. “Foi uma pessoa de Ferreira do Alentejo que estava ligada ao Lusitano e, um dia, encontrou-me em Sines e perguntou-me se eu queria ir para Évora jogar futebol. Eu disse-lhe que sim”, revela José Apolinário. Nessa altura, com os seus 19 anos, deixou o Sport Lisboa e Sines, clube que mais tarde haveria de juntar-se aos Sineenses para darem lugar ao Vasco da Gama Atlético Clube, emblema que ainda hoje existe naquela cidade. “Recordo-me disso, mas já aconteceu depois de eu ter saído de Sines”, diz.

Cheio de ambição e confiança nas suas capacidades, Apolinário lá fez as malas e rumou para o Lusitano de Évora, emblema que, nessa altura, iniciava um ciclo de 14 anos ao mais alto nível, com atletas como Vital, Teotónio, Mitó, Cordeiro, Falé, Paixão, Coutinho, Serranito, Coró, Caraça e José Pedro, entre outros. “Encontrei uma equipa recheada de bons jogadores, estavam na primeira divisão nacional. Estive lá uma época mas, entretanto, ressenti-me de uma lesão, na virilha esquerda, que tinha contraído ainda em Sines e a direção do Lusitano perguntou ao Desportivo de Beja se queriam que eu para cá viesse. E vim para Beja”.

Emprestado aos bejenses, rapidamente esqueceu o emblema de origem. Valores mais altos se levantarem, melhorou da lesão, mas deixou-se trair pelo coração. “Arranjei aqui um namorico e fiquei cá. Mais tarde acabei por ser eu próprio a pedir para ficar em Beja. Os clubes, nessa altura, faziam todos os possíveis por manter os jogadores, arranjavam-lhes residências e empregos”. Tinha ido “às sortes” e ficou “livre” de compromissos militares. “Não tinha nenhuma incapacidade, era atleta, mas havia um excesso de contingente e alguns livravam-se. Era por ordem alfabética e eu, como já era ‘jota’, de José, estava nesse lote dos excedentários”.

Mas a lesão, essa arreliadora contrariedade, tê-lo-á afastado do percurso que os eborenses fizeram na primeira divisão nacional? “Não me importei nada com isso. Tinha aqui a minha namorada, sentia-me bem acompanhado, enfim, já estava numa situação em que me sentia muito confortável na cidade de Beja, de maneira que nunca sonhei com esses grandes voos”.

À época, o Desportivo de Beja era treinado pelo espanhol Camiruaga. “Tínhamos uma boa relação, era um treinador exigente mas nunca tive nada que dizer dele”, revela José Apolinário. E recorda: “Quando, ao domingo, existia futebol em Beja, era uma alegria, havia uma romaria até ao antigo estádio, nós olhávamos em redor e víamos o campo abarrotando de pessoas. Recordo-me de alguns companheiros de equipa, o José Rosa, o Marcelino Lança, o Honório, o Madaleno, o Sardinha, o ‘Manero’, o Passinhas, o espanhol Alonso, também o Vidal, enfim, eram jogadores já com uma certa craveira”. Porém, a maior parte desses nomes já não estão entre nós. “É uma tristeza”, lamenta José Apolinário, um dos raros sobreviventes. “Os meus antigos companheiros da bola, praticamente, já foram quase todos embora. Sinto um bocado essas perdas, é triste, quem ainda está por aí, além de mim, é o ‘Manero’ e mais um ou outro que eu, assim de momento, não serei capaz de lembrar. Eu, fisicamente, não estarei muito bem, estou escapatório, vou vivendo e fazendo o meu dia a dia, com alguma normalidade. Não tem muita dúvida”.

O sineense retirou-se prematuramente do futebol e hoje a saudade que mais o importuna é da sua juventude, um sentimento de todo legítimo, afinal, os anos passam, as vivências transformam as nossas vidas e modificam os nossos hábitos. “Hoje, quando vejo o futebol, recordo-me de certas coisas que se passavam no meu tempo. Vamos sempre revivendo aquilo por que passámos enquanto jogávamos”. José Apolinário lamenta ainda: “Já não existe tanto amor à camisola, agora joga-se mais por interesse. O futebol nesta região não está bem, mas eu afastei-me um bocadinho e não sei dizer por que é que isso aconteceu. Viveu-se por aí uma crise muito grande e talvez faltem pessoas para estarem à frente dos clubes”.

E o seu Desportivo de Beja? Quem o viu e quem o vê? “O Desportivo, na minha época, tinha uma grande equipa, vivíamos num tempo diferente, agora, as coisas não estão bem e as pessoas afastam-se do futebol. É pena”. Palavras sábias de alguém que ficará na história do futebol alentejano. Uma memória viva.
Fonte:  https://diariodoalentejo.pt

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