domingo, 22 de dezembro de 2019

Bola de trapos, edição de 20 de dezembro de 2019 no Diário do Alentejo

José Saúde
O universo da bola
Numa jornada ao global mundo futebolístico, vamos revendo histórias que marcarão para sempre a nossa antiga rendição a um fenómeno ao qual dedicámos uma fascinante entrega. Guardamos copiosamente no arcaico alforge das luxuosas lembranças pequenas narrativas que contemplam os tempos em que fomos ancestrais figurantes no encantador palco desportivo, sendo também verdade que proporcionámos êxtase num público que em redor do retângulo de jogo vivia intensamente o espetáculo da bola. Tive, felizmente, oportunidade em conhecer dois antigos companheiros, ambos guarda-redes, que nos seus tempos defenderam, com decência, a sua posição entre os postes de clubes que outrora representaram: o Nói Alves e o Titão. Curvo-me perante a sua eloquente honradez quando, amiúde, trocavam “mimos” sobre a sua atuação entre os postes e num lugar que brilhantemente defenderam. À baila da conversa surgia, regularmente, o termo de “franganeiro”. O Alves, um companheiro com o qual partilhei o balneário do Desportivo de Beja, picava o Titão, antigo guardião do Alhandra e Olivais e Moscavide, verbalizando que “nunca tinha jogado em Beja”, logo “era um desconhecido” na cidade que o viu nascer. O Titão, pressupostamente arreliado pelas brincalhonas dicas do seu velho amigo, virava-se para o Alves e atirava-lhe com esta sua coroa de glória: “Não te esqueças que cheguei a jogar contra o Eusébio logo no início da sua carreira no Benfica, portanto o meu passado regista esse dado importante”. O Alves, com a sua velha calma, respondia: “Está bem! Mas qual é o teu currículo como jogador?”. O Titão, puxando de mais um cigarro e acendendo-o de mansinho, respondia: “Joguei no Alhandra, segunda divisão nacional, em Moscavide e na Alemanha”. E era sob este planeta de interessantes opiniões em que o universo da bola é fértil, que passei momentos hilariantes ouvindo as suas profícuas conversações. O Alves e o Titão foram dois amigos de peito que preencheram as pressupostas clausuras de homens que fizeram do desporto um hino às suas liberdades pessoais e obviamente desportivas. Deles guardarei eternamente momentos de enlevo e de uma vasta dor pela sua última viagem sem regresso. Morreu Mariano Martins Titão, 81 anos, natural da freguesia de São João Batista, em Beja. Agora, já recolhidos no perpétuo reino dos céus, resta-lhes a ficção ancestral do tempo para um imaginado reencontro de profundas nostalgias e de um reavivar de recordações, mas agora já definitivas no escrupuloso sepulcro dos silêncios, mas onde o universo da bola terá sempre lugar em memórias naqueles que por cá ficam. Pela vossa singela gentileza como me acoitarem no vosso majestoso império terrestre, registo no meu cardápio o comovente adeus destas duas perdas, o Alves já em tempos, e o Titão recentemente. Resta, pois, recordá-los com uma sumptuosa saudade. Até dia, companheiros!
Fonte: Facebook de Jose Saude

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