quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Estêvão Janeiro: Campeão


“Consegui uma marca razoável, gastei 34’38 nos 10 quilómetros, claramente que já fiz melhor, mas a prova foi muito dura. Fiz aquilo que pude, nem sempre se podem bater recordes. Se calhar, noutra oportunidade, conseguirei um registo melhor, mas o importante foi ganhar. Na última subida, quando olhei para trás e deixei de ver o segundo atleta, percebi que ganharia. Senti que era o homem mais feliz do mundo”.

Texto e foto Firmino Paixão

Foi assim, com este entusiamo, com esta simplicidade, enfim, com um misto de emoções, que o atleta Estêvão Janeiro relatou as incidências em torno do seu maior e mais recente sucesso desportivo: a conquista do título de campeão nacional de estrada em desporto adaptado.

Encontrámo-lo em Vila Nova de São Bento, Serpa, o seu berço natal há quase 34 anos. Não sabe cantar, apesar de ter nascido numa aldeia de cantadores, uma terra que adora, porque “se passares à minha aldeia, não vás de cabeça ao léu, quando o sol mais almareia, podes por o meu chapéu”, como escreveu o seu conterrâneo, o letrista João Monge.

Prefere as corridas ao cante alentejano. Os estudos académicos ficaram pelo 9.º ano. “Já não foi mau de todo”, assegura. “Não tive motivação para continuar, nunca senti vocação para os estudos”. Teve uma infância normal. “Brincava, na rua, como os outros miúdos da mesma idade, divertia-me imenso e joguei futebol no Aldenovense. Não tinha grande jeito, mas fazia uma perninha e dava sempre o meu melhor à equipa”.

Já o sol ia alto quando o atletismo brilhou na sua vida. “Já tinha 20 anos, mas era disto que gostava. Tive a ajuda de um amigo, começámos a correr, mas sem muito conhecimento do que estávamos a fazer. Ele disse-me para participar nas provas do distrito, porque podia andar entre os melhores”. Claro, mas primeiro teve de ser descoberto pelo Beja Atlético Clube, numa prova em Beringel: “Fiz um bom resultado, depois, o Bento Palma e o Mário Godinho, os dirigentes do clube, falaram comigo e convidaram-me a representar o clube”.

O resto foi amor à primeira vista: “Disse logo que sim. Comecei a ter outro apoio e métodos de preparação muito melhores”.

Estevão Janeiro levou a camisola do Beja Atlético Clube, há duas semanas, ao Vale do Jamor, para competir no Campeonato Nacional de Estrada, sob o mote “Correr com os campeões”, e veio de lá, também ele, um campeão, ao vencer a prova em desporto adaptado.

Com uma deficiência ao nível de uma má formação na região lombar da coluna e com alguns problemas cognitivos, foi classificado na categoria T20. “Tem sido uma grande luta para entrar no desporto adaptado, mesmo com o problema que tenho na coluna e outros problemas físicos no braço. São deficiências adquiridas à nascença, mas não me impedem de fazer aquilo de que gosto, que é a corrida. Mas também estou numa classe que tem a ver com alguma deficiência mental”, explica. Será por isso que o novo campeão diz: “Correr faz-me bem à mente, faz-me bem ao corpo. Faz-me sentir bem comigo próprio. Gosto de conviver com os outros atletas, os da minha equipa ou de outros clubes, não importa, o convívio é salutar. Somos todos iguais, desde os que praticam desporto adaptado aos que não têm limitações, é preciso que nos respeitemos mutuamente. Primeiro, somos todos seres humanos e só depois somos atletas”.

Quanto ao merecimento deste título nacional, Estevão Janeiro afirma: “Se me perguntarem se foi merecido, acho que foi, porque treinei imenso para conseguir um bom resultado”.

O atleta já tinha vencido, em 2019, a Corrida Cidade de Beja e assume: “Essa foi uma das melhores vitórias que consegui, antes de ter ganho este campeonato no Jamor, porque esta teve realmente muito mais significado, não só para mim, como para a equipa e para os meus familiares e amigos. Aqui em Vila Nova foi uma festa, receberam-me com muita alegria, toda a gente me felicita, ficaram muito felizes pelo meu sucesso”.

Agora o sonho é conseguir a qualificação para uma prova internacional. “Gostaria de vestir a camisola de Portugal nos Jogos Paralímpicos. Quem sabe se já neste ano, em Tóquio. A emoção seria ainda maior, portanto, continuarei a dedicar-me e vamos ver se me proporcionam uma hipótese de qualificação”.

Quem corre por gosto não se cansa, mas Estevão Janeiro tem outras corridas para superar, outras metas para ultrapassar no seu quotidiano. Vive sozinho com o pai e na sua dependência, porque os problemas físicos e mentais nunca lhe abriram as portas a uma profissão. Resta-lhe uma magra pensão, de pouco mais de 200 euros, para sobreviver.

São vidas. “É um bocado isso, tento ser mentalmente forte e ter capacidade de sofrimento. Não é fácil acreditar que os dias melhores ainda virão. Mas a corrida vai-me dando força para ir vivendo e vou acreditando, todos os dias, que o dia seguinte será melhor do que o anterior, contando sempre com a força que me é transmitida pelos meus companheiros”. Afinal, o desporto é de todos e para todos.
Fonte:  https://diariodoalentejo.pt

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