sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Bola de trapos, edição de 28/2/2020 no Diário do Alentejo

José Saúde
Tradições
Num exercício à maleável substância desportiva, eis-nos perante uma expedita veracidade onde as tradições de outrora atestam originalidades de lugares comuns, cujas gentes defendiam despretensiosos costumes. Levados pelas mágicas ondas que nos transportam para o persuasivo mapa de memórias, desbravamos os escarpados silêncios e partimos para conteúdos que dantes conhecemos. Debruço-me, neste contexto, sobre as tradições que fizeram do prodígio desportivo um feito deslumbrante. Acreditava-se, implicitamente, no alforge de atletas da terra. Hoje, reconhecesse que as tradições de ontem já não são o que eram. E se é verdade que as novas subsistências não se moldaram aos espólios legados, assiste-se, por outro lado, a maquiavélicas presunções que rompem com decisões persecutórias que colidem com o vazio. Somos uma das muitas criaturas que identificaram as virtualidades do passado. Numa conversa recente com um amigo de longa data sobre o cosmos futebolístico em Beja, lá veio à baila a problemática linha orientadora sobre a forma como se desvirtuam exatidões doutros tempos. Sejamos imparciais e coloquemos sobre o tampo da mesa de jogo um fortuito joker que encalha, por vezes, na complexidade das preocupações. Recordo a distinta capacidade de clássicos dirigentes que faziam finca pé em manter ativa a sua afirmação no palco diretivo onde o objetivo prioritário passava por dar continuidade às usadas tradições. Os plantéis, preparados com severidade, mantinham-se fiéis a princípios que honradamente gizavam objetivos prioritários. Apostava-se na prata-da-casa e na secretaria, administrada por homens idóneos, traçavam-se as linhas mestras para a construção de grupos que visavam, com decência, a chamada à equipa principal de jovens valores conhecidos em território local, ou naqueles que no seu percurso de formação se afirmavam como promissores valores no âmbito distrital. Na tesouraria ponderava-se o deve e o haver. Não se entrava em insólitas euforias. A honra tinha um preço e chamava-se dedicação. Ninguém cobrava um avo. O lanche era grãos com carne de porco preto engordado numa pocilga da povoação, ou uma feijoada regada com o famoso líquido dos deuses fermentado nas famosas talhas de barro. Os orçamentos enquadravam-se com os proveitos calculados. Nada falhava. Os jogadores, peças fundamentais para que toda a componente desportiva funcionasse, eram compensados com pequenos dádivas e tudo caminhava sobre rodas. Presentemente, perdeu-se a mística e os clubes, alguns, são recheados com contingentes de armadas forasteiras. Houve um tempo em que o dinheiro era literalmente esbanjado. Não se acautelava o futuro. Vivia-se sob o signo do presente. Agora o risco tem um custo elevado e poucos arriscam. Concluo invocando: se o sonho comanda a vida deixem-me sonhar, presumindo, ainda que futilmente, um regresso às velhas tradições.
Fonte: Facebook de Jose Saude-

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