sexta-feira, 15 de maio de 2020

Bola de trapos, edição de 15/05/2020 no Diário do Alentejo

José Saúde
Vergonha

Sim, tenho vergonha deste moribundo futebol português. Sim, tenho vergonha dos campeonatos feitos entre os ricos e os pobres - Liga de Clubes e Federação de Futebol Português (FPF)-. Sim, tenho vergonha de senhores de colarinho alto, de gravatas acetinadas e de fatos à príncipe de Gales que dominam os meandros do fenómeno futeboleiro. Sim, tenho vergonha de certas personalidades que no alto do seu púlpito lançam insólitos vitupérios. Sim, tenho vergonha de gentes do meu país que deturpam, por vezes, o verídico conceito da verdade desportiva. Sim, tenho vergonha onde chegou o estado da nação futebolística neste cantinho à beira-mar plantado. Sim, tenho vergonha dos ultrajes que o cidadão comum amiúde absorve. Sim, tenho vergonha que o ópio do povo seja frequentemente vilipendiado. Sim, tenho vergonha de tudo isto e de muito mais. Gozo, felizmente, de liberdade de expressão e emito opiniões pessoais, com a devida vénia e respeito, que me tocam no coração. Ando no futebol já lá vão perto de 60 anos, primeiro como praticante, depois como dirigente do Conselho Regional de Arbitragem da Associação de Futebol de Beja em finais década de 1970 e princípios de 1980. Aliás, uma experiência que fortaleceu o meu senso e que me permitem tirar plausíveis conclusões. Lembro as conversas avulsas expelidas no início de cada temporada e interrogava-me com as dicas de velhos companheiros das lides jornalísticas, concluindo no final que quase tudo batia certo. O futebol, mormente o profissional, é um manto onde vagueiam os mais diversificados interesses e as instâncias de topo cedem perante o poder dos símbolos. Recentemente a FPF determinou, por exemplo, a subida de dois clubes do Campeonato de Portugal da Zona Norte, o Vizela (Série A, líder com 60 pontos) e o Arouca (Série B, 58), à II Liga, deixando de fora o Praiense (Série C, 53) e o Olhanense (Série D, 57), onde, pressupunha-se, seria normal um minicampeonato a quatro, o que parecia ser o mais correto, digo eu. A Liga, por outro lado, determinou subidas e descidas na II Liga, enquanto a I Liga se realizará à porta fechada. É certo que o efeito pandémico de covid-19 provocou um arrombo competitivo. Neste contexto, é absolutamente lógico que há clubes que se sintam injustiçados e reclamem equidade. Com a polémica instituída os órgãos máximos do futebol nacional propõem alterações para a época 2021/2022. Vêm aí mais Ligas e um maior número de equipas para competir. Revejo-me no futebol dos mais pobres e congratulo-me pela expedita convicção que na próxima época a AF Beja terá dois filiados, Mineiro e Aljustrelense e Moura AC, este último por convite uma vez que à 17ª jornada seguia na liderança com 10 pontos de vantagem sobre o Vasco da Gama de Vidigueira, a competir no Campeonato de Portugal. Nesta guerra entre os endinheirados e os mais pobres, atrevo-me atirar com esta dica para um tablado onde proliferam enormes ambiguidades: urge desinfetar o futebol português!

Fonte: Facebook de Jose Saude

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