José Saúde
Vergonha
Sim, tenho vergonha deste
moribundo futebol português. Sim, tenho vergonha dos campeonatos feitos
entre os ricos e os pobres - Liga de Clubes e Federação de Futebol
Português (FPF)-. Sim, tenho vergonha de senhores de colarinho alto, de
gravatas acetinadas e de fatos à príncipe de Gales que dominam os
meandros do fenómeno futeboleiro. Sim, tenho vergonha de certas
personalidades que no alto do seu púlpito lançam insólitos vitupérios.
Sim, tenho vergonha de gentes do meu país que deturpam, por vezes, o
verídico conceito da verdade desportiva. Sim, tenho vergonha onde chegou
o estado da nação futebolística neste cantinho à beira-mar plantado.
Sim, tenho vergonha dos ultrajes que o cidadão comum amiúde absorve.
Sim, tenho vergonha que o ópio do povo seja frequentemente vilipendiado.
Sim, tenho vergonha de tudo isto e de muito mais. Gozo, felizmente, de
liberdade de expressão e emito opiniões pessoais, com a devida vénia e
respeito, que me tocam no coração. Ando no futebol já lá vão perto de 60
anos, primeiro como praticante, depois como dirigente do Conselho
Regional de Arbitragem da Associação de Futebol de Beja em finais década
de 1970 e princípios de 1980. Aliás, uma experiência que fortaleceu o
meu senso e que me permitem tirar plausíveis conclusões. Lembro as
conversas avulsas expelidas no início de cada temporada e interrogava-me
com as dicas de velhos companheiros das lides jornalísticas, concluindo
no final que quase tudo batia certo. O futebol, mormente o
profissional, é um manto onde vagueiam os mais diversificados interesses
e as instâncias de topo cedem perante o poder dos símbolos.
Recentemente a FPF determinou, por exemplo, a subida de dois clubes do
Campeonato de Portugal da Zona Norte, o Vizela (Série A, líder com 60
pontos) e o Arouca (Série B, 58), à II Liga, deixando de fora o Praiense
(Série C, 53) e o Olhanense (Série D, 57), onde, pressupunha-se, seria
normal um minicampeonato a quatro, o que parecia ser o mais correto,
digo eu. A Liga, por outro lado, determinou subidas e descidas na II
Liga, enquanto a I Liga se realizará à porta fechada. É certo que o
efeito pandémico de covid-19 provocou um arrombo competitivo. Neste
contexto, é absolutamente lógico que há clubes que se sintam
injustiçados e reclamem equidade. Com a polémica instituída os órgãos
máximos do futebol nacional propõem alterações para a época 2021/2022.
Vêm aí mais Ligas e um maior número de equipas para competir. Revejo-me
no futebol dos mais pobres e congratulo-me pela expedita convicção que
na próxima época a AF Beja terá dois filiados, Mineiro e Aljustrelense e
Moura AC, este último por convite uma vez que à 17ª jornada seguia na
liderança com 10 pontos de vantagem sobre o Vasco da Gama de Vidigueira,
a competir no Campeonato de Portugal. Nesta guerra entre os
endinheirados e os mais pobres, atrevo-me atirar com esta dica para um
tablado onde proliferam enormes ambiguidades: urge desinfetar o futebol
português!
Fonte: Facebook de Jose Saude
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