Texto Firmino Paixão
Corria o mês de junho de 1920. Era uma
vez um pequeno clube chamado Libertário e outro clube, também pequeno,
denominado Infantil. Uniram-se e deram origem a um "grande": o Despertar
Sporting Clube. Foi há cem anos!
A fusão entre os dois emblemas não consta
das primeiras normas estatutárias do Despertar, mas foi relatada em
documentos da época, mormente na “Historia do Desporto no Distrito de Beja”
("Comercio do Porto", 1956), da autoria do falecido jornalista bejense e
antigo diretor do "Diário do Alentejo", Manuel de Melo Garrido, obra em
que nos baseamos para aqui redesenharmos curiosos traços da história do
centenário Despertar Sporting Clube, através dos tempos popularizado
como o “Rasga”.
Quem eram o Libertário e o Infantil? Eram
dois grupos constituídos por rapazes com idades entre os 13 e os 15
anos, quase todos operários que, apesar de uma existência ainda juvenil,
por falta de uma sede própria, se reuniam à tarde e à noite, junto a um
candeeiro de iluminação pública (alimentado a petróleo, como era uso na
época) existente naquela que, hoje, se denomina Rua Fialho de Almeida,
frente à então existente Estalagem da Bárbara Meneses.
Melo Garrido relatou também que os
elementos de um e de outro grupos concluíram que a fusão de ambos
permitiria a fundação de um clube com recursos capazes de encetar um
projeto de desenvolvimento da prática desportiva, especialmente do
futebol, no meio operário. E, repare-se no pormenor, principalmente
“abrindo mais largas perspetivas à vida desportiva da cidade”. Bem o
pensaram, melhor o fizeram, passaram das ideias à prática e o processo
de fusão foi uma realidade. O nome de Despertar ia ao encontro dos
pressupostos de agitar, acordar, a fraca atividade desportiva existente.
O resto do título, como narrou o jornalista no documento que nos legou
para memória futura, obedeceu a um arranjo diplomático. É que entre os
"libertários" e os "infantis" existiam simpatizantes dos grandes
emblemas que então, como hoje, já despertavam as maiores paixões dos
adeptos: o Sport Lisboa e Benfica e o Sporting Clube de Portugal.
A
solução passou, então, por acrescentar ao Despertar a palavra Sporting e
encimar o emblema por duas asas, semelhantes às que ostentava a águia
do Benfica. Surgiu assim o primeiro emblema do Despertar. Só anos mais
tarde a águia completa tomou o seu lugar na heráldica do clube,
mantendo-se, altaneira e vigilante, até aos dias de hoje.
Já a escolha das cores dos equipamentos
foi mais consensual: o preto e o vermelho eram as cores da cidade e as
listas verticais, adotadas já na década de 30, faziam a diferença para
as camisolas do Luso, outro clube bejense, com as camisetas
esquartejadas nas mesmas cores. O aniversário do Despertar Sporting
Clube tem sido, no período moderno, assinalado a 24 de junho, dia de São
João, um santo popular, tal como esta agremiação bejense, muito
festejado em Portugal. E será, por certo, essa a data solene do
centenário, mas Melo Garrido, nos documentos que lavrou, fixa a data de
fundação do clube em 23 de junho de 1920.
Os primeiros estatutos, aprovados por
alvará do Governo Civil de Beja, em 9 de fevereiro de 1926, são omissos,
nada dizendo sobre essa questão, referindo apenas o ano de 1920. O
texto do alvará, lavrado por Luís Maria Cortez, então representante do
Governo na região, tem a curiosa redação que se reproduz: “O Despertar
Sporting Clube D.S.C. - Associação de Recreio, cujos fins são claramente
expressos nos artigos 2º e 3º dos mesmos estatutos e cuja sede é nesta
cidade de Beja, mostra-se que são compostos de dez capítulos e estes
divididos em ‘cincoenta’ artigos e parágrafos, escritos em onze meias
folhas de papel selado, da taxa de um escudo e ‘cincoenta’ centavos,
cada, devidamente numeradas e rubricadas pelo Doutor Secretário Geral do
Governo Civil deste Distrito, excelentíssimo Senhor Venâncio Jacinto
Deslandes Corrêa Caldeira”.
Eram outros tempos... Sem sede social,
algo que hoje é a “menina-do-olho” das gentes despertarianas, as
primeiras reuniões dos promotores foram realizadas na casa de um dos
principais impulsionadores, Libânio Rosa Pereira, na Rua Nova do Carmo,
hoje Rua Almirante Cândido dos Reis.
Libânio Pereira era o capitão-geral do
clube, cargo que muito se usava na época e, por sua iniciativa, um grupo
de despertarianos mais influentes convidou Manuel Gonçalves Peladinho
para primeiro presidente do clube, cargo inexistente até então,
decorrido que estava cerca de um ano sobre a sua fundação. Manuel
Peladinho, segundo relatou Melo Garrido, dedicou-se “de alma e coração”
ao Despertar, tendo sido um dos seus maiores e mais notáveis
impulsionadores.
A Rua Afonso Costa, onde o clube esteve
sediado quase 40 anos, antes de se mudar para as atuais instalações, foi
outra das referências do clube, mas a causa despertariana já antes
tinha ocupado uma casa da Rua Frei Amador Arrais.
No passado, como no presente, a mística
continua a mesma, senão mais ardente, e o prestígio tem sido crescente,
em paralelo com uma família invulgarmente numerosa, com notável
incidência na juventude. Manuel Gonçalves Peladinho foi um símbolo do
passado, sem demérito para todos os outros homens de bem que assumiram
esta causa e Mariano Baião, líder do clube durante décadas, não pode ser
esquecido no presente, num tempo em que os atuais dirigentes dão
continuidade ao projeto, “Afirmando o passado... Construindo o futuro”
Fonte: https://diariodoalentejo.pt/
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