Apanha-bolas
Em tempos de covid-19, o que levou à suspensão da maioria da atividade
desportiva, particularmente a regional, procuro um revisitar constante
ao alforge de memórias que escrupulosamente guardo num sótão onde as
imagens se amontoam, felizmente cheias de vida, e eis- -me perante uma
vivacidade que a todos enchia de alegria. Neste contexto, viajo pelas
catacumbas do universo desportivo do antigamente e logo à tona de
eternas recordações surge a imagem dos apanha-bolas no antigo Estádio
Municipal Eng.º José Frederico Ulrich, depois Dr. Flávio dos Santos, em
Beja. Era comum a presença de jovens, em dia de jogos, nas imediações do
estádio. A malta formava fileiras esperando, com alguma ansiedade, que o
roupeiro do Desportivo, Firmino Lopes, vulgo “tio” Xaxinha, dantes um
ilustre jogador do Luso, fizesse a sua equipa de honra e transportasse a
rapaziada para o interior de um espaço que era literalmente vigiado nas
portas de entrada por sisudos porteiros. É óbvio que aos relegados
restava-lhes arranjarem um pai “emprestado”, à pressa, para
ultrapassarem a triagem de uns fiscais que, embora franqueando as
entradas a quem ostentasse o bilhete de entrada, não davam tréguas a uma
miudagem que efusivamente pretendia ver o desafio ao vivo e a cores. A
equipa do “tio” Xaxinha, escolhida com olho de “lince”, apresentava-se
sempre unida. Se o Desportivo se encontrasse a ganhar, e uma bola fosse
chutada para longe, não havia, de certeza, apanha-bolas disponíveis.
Alguns, já tinham saltado o muro integrando uma multidão que em redor do
retângulo irradiava um contentamento desmedido. Ao invés, se a tarde
passava por um resultado negativo, lá estava, não apenas um, mas dois ou
três rapazes a correrem, com valentia, para que a bola regressasse ao
jogo o mais depressa possível. Era giro ver aqueles apanha-bolas
envergando velhas camisolas que mais pareciam vestes de dormir de
notáveis senhoras. Rapazes que o seu airoso trajar dava gozo à plebe que
assistia ao duelo. Os mais pequenos extasiavam-se com a camiseta que
lhes tapava os pés, ficando, porém, a certeza que a escolha do “tio”
Xaxinha acertou “na mouche” uma vez que o “puto” correspondeu às
instruções atribuídas nos bastidores pelo mestre. O apanha-bolas
esfregava as mãos de contentamento visto que a sua missão tinha merecido
nota alta do maioral. Tanto mais que a moçada, ao intervalo,
regalava-se a pontapear a bola de catechu que lhe dava prazeres
infinitos. No próximo prélio, a equipa que mostrou serviço seria alvo de
uma merecida nomeação. Estes retratos de outrora caíram no limbo do
esquecimento, restando a certeza que esses instantes marcaram gerações,
cujas recordações são agora bênçãos que jamais desaparecerão de baús
ajustados a imagens que ficarão implicitamente intactas em saudáveis
mentes.
Fonte: Facebook de Jose Saude
Fonte: Facebook de Jose Saude
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