domingo, 2 de maio de 2021

Bola de trapos, edição de 30/04/2021 no Diário do Alentejo

 

José Saúde
O Cortiço
Numa peleja persistente onde a nostalgia teima em preencher almas já fatigadas com o evoluir das eras, viajamos pelos corredores apertados de memórias desportivas e reencontramo-nos com os arautos de um passado que muito nos cativou. E se por um lado, noutros locais da região, existiam pontos de encontro onde os amantes do desporto se encontravam para dissecar as inovações, em Beja existia um “ex-libris” que impunha uma ordem irrepreensível ao mais pacato cidadão do mundo que visitava a velha Pax Júlia e que passava pelo famoso Café Cortiço. Naquele espaço as tertúlias desportivas eram triviais. Situado na Rua Cap. João Francisco de Sousa, aquele lugar comercial era frequentado por um catálogo de pessoas que dissertavam sobre as últimas inovações de um painel de acontecimentos e que, simultaneamente, analisavam, com rigor, a componente desportiva. Atrás do balcão a dupla de irmãos, Caetano e Marcelino, prezavam por bem servir uma infindável clientela que fazia jus à sua presença no Cortiço. Alguns sentavam-se em redor de uma mesa que puxava, desde logo, à curiosidade dos falatórios; outros juntavam-se ao balcão corrido, em pé, onde os pastéis de bacalhau, sempre quentinhos, cativavam os sabores afinados dos fregueses que, zelosos em recolherem as últimas novidades, tinham naquele encantador recanto um lugar ideal para obterem informações sobre o universo desportivo regional e nacional. Sou de uma época em que o Cortiço fornecia uma panóplia de novidades que encantavam uma rapaziada que vivia intensamente a maravilha de um cosmos deveras fascinante. Ali sabia-se de tudo um pouco, mormente os resultados dos jogos de futebol aos domingos, principalmente do Desportivo quando jogava fora de casa. O Cortiço, além de uma fonte de notícias, foi, também, palco de homens que literalmente se notabilizaram em diversificadas vertentes sociais. O saudoso Marcelino, apelidado ao longo de vários anos como o “velho capitão”, espalhou em campo o perfume da sua inexcedível classe ao serviço do Desportivo, afirmando-se como um futebolista de refinada eleição. Veiga Trigo, antigo árbitro internacional de futebol, bebeu no Cortiço um perfeito conhecimento para uma arte que tanto o dignificou. Recordo, ainda, o desfile de personalidades desportivas que por lá passavam. De jogadores a dirigentes, passando pela inevitável visita de muitos forasteiros que faziam daquele estabelecimento uma paragem obrigatória, sendo que alguns deles eram individualidades com nomes sonantes não só a nível nacional como internacional, aquele café guardou ao longo dos anos históricas camaradagens que se protelaram no tempo. O Cortiço consolidou-se com uma “agência” desportiva e onde a camaradagem reinava. Hoje, resta recordar esses conscienciosos púlpitos de outrora que, infelizmente, se foram perdendo no tempo. Ai que saudades do acolhedor Cortiço, um “paraíso” onde proliferavam profícuas amizades!
Fonte: Facebook de Jose Saude

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