Texto Firmino Paixão
Luís Duarte nasceu, há 32 anos, numa pequena vila do concelho de Resende, na margem sul do rio Douro. Nestas três décadas de vida tem dado muito ao ‘trail’, fazendo tudo o que podia para ser bem-sucedido. “Sinto-me uma pessoa realizada e feliz mas, ao nível desportivo, sinto que se tivesse tido os apoios e ajudas certas, teria sido um atleta internacional”, confessa o desportista, lamentando que os seus dias sejam “curtos”, pois “para ser pai de família, trabalhar, treinar como um profissional, necessitava que o dia tivesse umas boas horas a mais”.
Na sua infância procurava pinhais, bosques e matas para explorar. “Aos seis anos de idade perdi o meu pai e esse acontecimento obrigou-me a crescer muito rápido, a ter muitas responsabilidades, a trabalhar no campo e, inclusive, a trabalhar para fora”, lembra. Partilha a recordação: “O meu primeiro salário, ainda em escudos, foi de 38 contos (atualmente 190 euros), numas férias da Páscoa. Também trabalhei, posteriormente, na construção, onde tinha que fazer o mesmo que os adultos de 30 e 40 anos para receber metade do que eles ganhavam, mas não me importava. Eu queria ajudar, em casa, com as despesas. Isso serviu para me tornar uma pessoa mais resiliente e forte a todos os níveis”.
A prática desportiva começou, claro, na escola. “Estava presente em tudo o que eram corta-matos e corridas longas… Joguei futebol de 11 e futsal – no primeiro ano levámos a equipa da terra a vice-campeã distrital de juniores”. Terminado o 12.º ano, não se inscreveu no ensino superior. “Fiquei a ajudar a minha mãe com [o trabalho na] quinta e continuava a estudar para os exames nacionais, pois tinha a vontade de ir para a Academia da Força Aérea. Na altura, por desconhecimento, pensava que era necessário ir para academia para poder trabalhar na manutenção dos F-16”.
Ainda muito jovem, já adorava aviões. É Luís Duarte que conta: “Tinha um fascínio especial por aviões de combate. Teria ainda uns quatro ou cinco anos e recordo-me de correr para a eira da quinta, que tinha uma vista ampla para o vale, para ir ver os A-7, que faziam um ruído infernal e passavam a uma velocidade louca. E assim nasceu o sonho de fazer voar aquelas máquinas”. Ser piloto nunca o fascinou, achava mesmo desinteressante, em comparação com o “abrir e ver as entranhas da máquina, perceber como funciona, reparar e fazê-la voar”. “Faço 20 anos e entro na Força Aérea, na especialidade de mecânico de material aéreo, fiquei nos primeiros lugares, consegui escolher uma base de caças e fui trabalhar para o sistema do avião que queria (motores/propulsão), realizando assim um sonho de miúdo. Foi fantástico! Aprendi imenso, senti-me um privilegiado. Fiz um trabalho que poucos fazem e temos que ser muito bons”.
No início da carreira profissional começaram as competições. Representou o Clube de Atletismo da Barreira (Leiria) e o Amieirinhense (Marinha Grande). Correu em pista, em estrada, fez meias maratonas até que, nos treinos na Serra das Meadas, entre a sua terra natal e Lamego, “surgiu o bichinho do ‘trail’ e das corridas longas. E houve um ‘click’. Apesar de estar a melhorar muito a minha velocidade naquela altura, e de me estar a tornar competitivo na estrada, com a ajuda do meu treinador de então, Raimundo Santos, antigo atleta olímpico nacional, decidi que tinha que experimentar o ‘trail’. Já acompanhava algumas provas, já tinha visto alguns feitos realizados pelo Carlos Sá nos Alpes e no Sahara, e senti um apelo. Senti uma necessidade de aventura, de exploração”.
Foi uma espécie de regresso ao passado, de regresso à infância, aos vales e encostas do Douro. Para isso também constituiu “fator influente” a leitura de um livro chamado “Nascidos para correr”. “É um misto de corridas, aventuras e relatos de ultramaratonas. O livro era de tal modo nostálgico que me despertou o interesse do endurance extremo. Foi então que, em março de 2012, decidi que iria fazer os 100 quilómetros de uma prova chamada Oh Meu Deus, na Serra da Estrela. Depois de alguns treinos de preparação, lá fui eu, com 23 anos, em busca de aventura, superação dos limites. Ia com receio do desconhecido, mas o objetivo era terminar e, de preferência, com uma boa história para contar aos netos. Foi a primeira prova, 12:50 horas, onde se passou um pouco de tudo. Acabei por ficar em segundo lugar da geral e primeiro sénior e cheio de vontade de voltar a fazer uma ultra e voltar a correr nos trilhos”.
E voltou! Tanto assim que, nos últimos nove anos, fez 14 provas com mais de 100 quilómetros, dezenas de provas curtas, campeonatos nacionais de ultra endurance, taças de Portugal, provas internacionais e dois campeonatos do mundo, onde representou o nosso País: “Foram muitos momentos de superação, realização e aventura”. Mas nem tudo são rosas, não é Luís Duarte? “Conciliar a profissão e a competição, nem sempre foi fácil e, muitas vezes, impediu-me de competir”. O atleta, primeiro-sargento da Força Aérea Portuguesa, dá até um exemplo: “Em setembro de 2017, na semana anterior ao campeonato de ultra ‘trail’, na Serra de Arga, tive que vir à Base de Beja desempanar um F-16 que aterrou de emergência. As ações de manutenção demoraram até à sexta-feira antes da prova, que era no sábado. Acabei por chegar a Leiria às 23:00 horas, e não pude arrancar para Caminha pois iria fazer a prova com uma direta e com muitas horas de viagem. Estava no topo de forma e com uma vontade enorme de participar, mas fui condicionado pelo trabalho”.
Mas também tem tido um excelente desempenho desportivo, fez grandes provas, conquistou muitos pódios, muitas vitórias e foi campeão nacional – um palmarés de excelência. Algo a que o atleta não atribuiu muita importância, lamentando que o ‘trail’ seja um desporto “sem qualquer reconhecimento e apoios. Por mais que se treine, por mais que se ganhe, um atleta de topo sente-se sempre sozinho. E o que fez nunca tem relevância, pois só o que está por fazer é que é importante”. Por isso, este ano até pensou fazer os dois campeonatos de ultra ‘trail’ e ‘endurance’ e depois deixar de competir, “tal é o desalento e muitas vezes o sentir que somos atletas do inútil”.
Quanto ao futuro, neste tempo de incertezas, a confiança alicerça-se no seu valioso palmarés. “Já fiz provas maravilhosas, já representei a seleção nacional, mas há sempre desafios que podem ser aliciantes, quando se tem apoio, a todos os níveis, para os realizar. Quem sabe, talvez volte à seleção nacional pois, para isso, darei o melhor no próximo dia 18 julho, na Madeira, na final do Campeonato Nacional de Ultra Trail”. Mas a sua corrida de eleição, o sonho maior, seria “competir na ‘HardRock100’, essa acho que nunca passará de uma miragem, pois, para além dos custos que tem ir aos Estados Unidos fazer uma prova destas, nunca conseguiria estar à altura do desafio. A prova realiza-se a três mil metros de altitude e atinge ainda os quatro mil durante o percurso. Sem uma adaptação correta, até poderia colocar a saúde em risco. De qualquer forma, seria com muito gosto que levaria o nome de Mértola e do Alentejo por todo lado”. Vamos ver.
Fonte: https://diariodoalentejo.pt
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