sábado, 25 de fevereiro de 2023

Parte II - Condicionalidades de um tempo sem tempo

Sim, estou velho!
Sim, estou velho! Sim, o tempo, esse vadio, já voou. Dissipou-se. As gotas de orvalho diluem-se a uma velocidade impressionante. O meu rosto determina uma idade já avançada (72 anos). Sim, porque a saudade mata devagarinho os anos já consumidos pela essência das eras passadas. Sim, essa tal melancolia que parece previamente distante, perdeu-se pela fresta de uma porta que se foi definhando com o declinar das épocas. Vagueio pelo trilho “desarmadilhado” de uma vereda que inevitavelmente vai estreitando. Sim, esta é uma das inevitáveis realidades que o ser humano literalmente terá de compreender e sobretudo aceitar.
Curvo-me perante a transformação física do meu corpo. É verdade. Não o escondo. Mas atenção: ainda não me considero um trapo. Talvez um trapo de um fino fio de seda vindo das equidistantes arábias, mas impregnado com uma juventude já perdida. Ficaram os requintados cheiros que dantes me arregalaram as narinas. Ou, o toque em “matéria proibida” onde proliferavam memoráveis mistérios. Sim, esses frenéticos momentos continuam fixamente emoldurados na minha mente, mas com traços de um puro êxtase dantes ocorrido.
Recreio-me, agora, com a saudade. O que fiz e o que deixei de fazer. O meu corpo, outrora atlético, está velho. Cansado. De uma aldeia, a minha sempre querida Aldeia Nova de São Bento onde nasci, a metrópoles de maior dimensão, de tudo conheci. Conheci e fiz amizades. Tudo, porém, foi ontem. E foi ontem que brinquei com os meus amigos no Largo do Ferreira, lá para as bandas do Algés. Do João Luís, ao João Ferro, António, vulgo “Encherto”, António e Bento Charrinho, dois irmãos infelizmente já desaparecidos, Manel “Galha Galha”, Bento “Tomba Lobos”, Chico do Toril e o João Cheta, de entre muitos outros miúdos, foram companheiros no jogo de futebol com uma bola de trapos, ou com uma bexiga de porco regateada no mercado da aldeia. As leis, então impostas pela rapaziada, impunham que o jogo terminava aos 10, a mudança de campo aos 5 e as balizas eram delimitadas com duas pedras, sendo que o retângulo de jogo, desproporcionado, não tinha linhas que limitassem o espaço.
Mas, eis que numa elementar reciclagem feita à razão desta minha existência, revejo, com saudade, a mocidade perdida e uma vida preenchida de aventuras e desventuras. Ninguém é perfeito e eu também o não fui e nem tão-pouco o sou e, logicamente, jamais o serei.
Saí do meu recanto sagrado, ou seja, da minha sempre querida e adorada Aldeia Nova de São Bento, muito novo com destino a Beja, urbe onde concluí a instrução primária e fiz grande parte da minha vida. Todavia, jamais renunciei uma ida ao berço que me viu nascer e me consumirá para a eternidade. É lá, na minha aldeia, que um dia repousarei para a perpetuidade.
Existiu sempre no meu ego o espírito de aventura, ora quando a adrenalina me levava ao êxtase, ora quando o momento implicava uma maior concentração, tendo em conta o passo seguinte que, por força de uma razão maior, teria de ser dado. Mas nem sempre as coisas funcionaram da melhor maneira. É natural e aceito esses ímpetos momentâneos. Errei, tal como todo o ser humano. Ninguém é um exemplo imaculado e nem tão pouco um ser perfeito.
O mundo do futebol traçou-me um outro destino. Do Despertar ao Sporting, com uma passagem pelo Benfica, foi o desenho traçado e fundamentalmente concluído. Depois, veio o Desportivo de Beja, o FC Serpa e o Atlético Aldenovense.
Pelo meio ficou o cumprimento do serviço militar obrigatório. De Tavira aos Rangers, em Lamego, sendo o quartel em Penude, foi um estreitíssimo passo. Seguiu-se a Guiné, onde cruzei a guerra com a paz. Ali conheci uma outra realidade. Uma realidade onde os odores africanos se cruzaram com o “cantar” das armas. Regressei, felizmente, tal como parti. Apenas mais velho de idade. Fica, contudo, nas minhas mágoas de ver partir camaradas para a tal viagem sem regresso.
No retorno de África um emprego em Lisboa assinalou a minha volta à capital do Império. Regressei, depois e mais velho em idade, à velha Pax Júlia em 1978 e onde dei os primeiros passos no maravilhoso universo do jornalismo com o meu saudoso amigo Delmiro Palma, no jornal “O ÁS”, um semanário que adquiri no ano de 2000, sendo, para além de proprietário, o seu Diretor.
Trabalhei, em simultâneo, para vários órgãos de comunicação social desportiva, quer regionais quer nacionais, ficando a certeza que o jornal “A BOLA” terá levado o meu nome e a nossa região baixo alentejana além-fronteiras, para além do JN (Jornal de Notícias). O jornalismo preenchia a minha profícua mente. 12 anos na Rádio Voz da Planície, como coordenador da área desportiva, levou-me a possuir nos três programas na RVP: O “Estádio”, aos sábados; “Planície Desportiva” aos domingos com relatos de futebol incluídos; e diariamente o “Livre Direto”, com dois apontamentos, um logo pela manhã, um outro à tarde. Em 2005 assumi dar a cara pela TV Beja, televisão por Internet.
Um dia, em finais de 1990, lancei o primeiro livro, “Glórias do Passado”, seguindo-se uma segunda obra, ou seja, o II volume sobre a mesma matéria. Em 2006, com 55 anos de idade, fui “contemplado” com um AVC que me deixou entre a vida e morte. Sobrevivi e lutei, incansavelmente, pela minha liberdade. Recuperei o possível.
Limitado a uma cadeira de rodas tracei cenários quiçá inimagináveis. A mente, porém, comandava felizmente o corpo, logo a minha luta titânica passava pelo regresso ao mundo da escrita e ao seio de uma sociedade que me fora sempre cordial. Aliás, a mente, essa fascinante ferramenta de que todos somos possuidores, estava limpa, não obstante a afasia entretanto manifestada. As palavras não saíam com a fluidez que dantes me era comum. Gaguejava e os movimentos físicos estavam ausentes, todavia, esses pequenos/grandes pormenores foram por mim ultrapassado, dado que nunca atirei a toalha ao chão. Segui em frente e de cabeça levantada.
Mas, eis que comecei a vislumbrar a prosperidade do caminho do futuro. Recuperei o que esteve ao meu alcance e regressei ao mundo real e ao computador, principiando-me a elaborar textos para os leitores contemplarem. Em 2008 surgiu o convite do Diário do Alentejo. Aceitei e não mais parei. Paralelamente ressurgiu a veia de escritor e toca a lançar livros, sendo o antepenúltimo, tal como o anterior, com a chancela da Editora Colibri, “Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes”. Para trás ficaram, para além daquele que atrás citei: Glórias do Passado, volumes I e II; O Trilho; AVC Na Primeira Pessoa; Guiné-Bissau As Minhas Memórias de Gabu; Associação de Futebol de Beja 90 Anos de Memórias e Relatos; AVC O Guerreiro da Liberdade; Aldenovense Foot-Ball Club ao Clube Atlético Aldenovense; Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/1974 e Bola de Trapos - Crónicas Desportivas do Baixo Alentejo 1904 a 2022.
Este apurado texto, sendo na minha opinião bastante exíguo, reconheço, no entanto, que reproduz retalhos de uma vida de um ser humano nascido numa aldeia que vive de paredes-meias com a vizinha Espanha, província de Andaluzia, que leva 72 anos contabilizados e que assumindo um raciocínio lógico me leva a concluir: Estou velho! Sim, estou velho, mas ainda pronto para continuar hirto ao cimo deste globo terrestre, embora reconheça que as minhas limitações físicas já pesam no meu corpo, hospedando a certeza que as curtas viagens aventureiras se vão diluindo com o evoluir dos tempos. Presentemente o meu carro são as minhas pernas e é com ele, o carro, que me desloco para qualquer ponto deste solo lusitano. Mas, estando velho, e residente neste pequeno “invólucro” terreno, sinto-me ainda capaz em continuar a senda da escrita.
Para trás ficam imagens de anteontem, de ontem e de hoje. Somos, afinal, pequenas gotas de orvalho que se diluem em pequeníssimos ciclos de vida. Aqui ficam imagens dos livros por mim já publicados.
Abraços e beijos
Zé Saúde
Jornalista/escritor
Observação: Os três últimos livros publicados, Um Ranger na Guerra Colonial – Guiné-Bissau 1973/1974, Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes e Bola de Trapos Crónicas Desportivas do Baixo Alentejo 1904 a 2022, foram editados pela Editora Colibri, Lisboa. Deixo, para já a minha obra feita como escritor, onde enalteço o meu ilustre "torrão sagrado".
 
 Fonte: Facebook de JOse saude

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