sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Um atleta de longo curso


A pureza e a simplicidade na interpretação da modalidade, a humildade na aceitação das limitações desportivas, a solidariedade para com os que a seu lado correm olhando a natureza. Gestos magnânimos de um campeão.

Texto e foto Firmino Paixão


Um atleta solitário que desafia as grandes distâncias como forma de superação dos limites da sua capacidade, enquanto o suor que lhe desce pela face arrasta as agruras de uma vida salpicada de fortes emoções. Carlos Rocha é um atleta discreto. Define as suas próprias metas, numa forma muito peculiar de alimentar o seu ego, através do desporto, correndo de uma forma pura, informal e metodológica. Um campeão à sua maneira. Conheçamo-lo tal como é e como se tem afirmado no mundo das corridas.                  
Nasceu há 51 anos em Beja, está no atletismo há cerca de 35: “Iniciei-me na Zona Azul, estive um ano no Beja Atlético Clube e ingressei na Juventude Desportiva das Neves. Este ano não estou federado, embora me mantenha vinculado a este clube”. Porquê o atletismo? “Gostava de correr, fazia-me bem, descontraía, comecei na brincadeira, depois fui aumentando as distâncias até fazer a primeira maratona, depois fiz a Ultra Melides/Troia e entrei nos trails, nunca pratiquei outros desportos, o atletismo foi o que sempre gostei, é um desporto solitário”.
Talvez seja até o seu porto de abrigo, porque Carlos Rocha reconhece que: “Corro para descontrair, aliviar as preocupações, no fundo é mesmo uma forma de sacudir as agruras da vida”. E fá-lo sem olhar a recompensas: “Procuro só o meu bem-estar e como nunca consigo atingir o topo, basta-me superar o desafio de chegar ao fim. É o suficiente, invariavelmente, é esse o meu desejo, chegar ao fim das provas”. E tudo isto porque reconhece, com uma boa dose de modéstia, que foi “sempre” um “atleta muito lento”: “Nunca tive grandes tempos em provas de cinco ou 10 mil metros. Quando comecei a fazer maratona fiz a transição para outras provas mais longas, é um desafio, procuro superar-me e aumentar progressivamente as distâncias, embora, ultimamente, com os problemas físicos que tenho tido, não tenha sido possível”.
Correr, afinal, é mais do que uma necessidade do bejense Carlos Rocha: “Correr é quase um vício, na brincadeira assumimos, muitas vezes, esta vontade de correr como um vício muito saudável”. Por isso, não persegue prémios: “Nas provas que eu faço, ao nível do trail, não existem prémios monetários, apenas prémios simbólicos e não há dúvida que os atletas mais competitivos procuram ganhar, porque dá prestígio vencer determinadas provas, mas eu, pessoalmente, como reconheço que não tenho condições para chegar a níveis mais elevados, corro apenas pelo desafio de concluir as provas e fico feliz por isso”.
O atletismo ainda não deu grandes glórias a este ativista ambiental: “Nada de especial, é mais pelo convívio, conhecer pessoas novas, locais diferentes e incrementar amizades”. Por isso, corre contra si próprio, ao mesmo tempo que desfruta da natureza: “Passamos por sítios onde dificilmente se passará noutras situações”. E ajuda colegas em dificuldade: “Às vezes sou ajudado por outros, existe um grande sentido de entreajuda nessas provas longas, depois eu tenho um compromisso com o ambiente, com a natureza, respeito-a integralmente, sou colaborador e participo em atividades de associações ambientais”.
Carlos Rocha lembra as seis provas com mais de 100 quilómetros em que já participou: “São ultramaratonas, provas mais ou menos planas, por exemplo, Os Caminhos do Tejo, entre Lisboa e Fátima, que segue os caminhos dos peregrinos até ao santuário, as de trail são percursos irregulares, com elevações e passagem por cursos de água”. Mas uma delas não lhe sai da memória: “A primeira que fiz, na serra de São Mamede, foi extremamente difícil, nunca pensei chegar ao fim, foram quase 25 horas de prova, comecei e acabei de noite, foi muito penosa, cheguei ao final muito mal tratado”, assume este corredor solitário cujo pensamento tem curiosas oscilações: “Normalmente na parte final, quando o sacrifício já é mais elevado, questiono – o que estou eu aqui a fazer, por que vim eu para aqui? Mas quando acabamos é uma satisfação de dever cumprido e pensamos logo em inscrever-nos para uma nova corrida”.
E entre as que ainda deseja participar enumera: “A Meia Maratona da Nazaré é uma prova que quero fazer, não é muito longa, mas desperta-me muito interesse em participar e vamos ver se este ano consigo também ir ao Ultra EstrelAçor”. Um atleta solitário. Será? “Sim, sou um atleta solitário, já corri muitas provas praticamente sozinho, e não tenho problemas com isso, marco o meu andamento e vou por ali acima, sou um corredor de longo curso, não sou velocista, sou um fundista nato”. 

Fonte: http://da.ambaal.pt/

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