quarta-feira, 22 de julho de 2020

Bola de trapos, edição de 17 de julho de 2020 no Diário do Alentejo

José Saúde
Apanha-bolas
Em tempos de covid-19, o que levou à suspensão da maioria da atividade desportiva, particularmente a regional, procuro um revisitar constante ao alforge de memórias que escrupulosamente guardo num sótão onde as imagens se amontoam, felizmente cheias de vida, e eis- -me perante uma vivacidade que a todos enchia de alegria. Neste contexto, viajo pelas catacumbas do universo desportivo do antigamente e logo à tona de eternas recordações surge a imagem dos apanha-bolas no antigo Estádio Municipal Eng.º José Frederico Ulrich, depois Dr. Flávio dos Santos, em Beja. Era comum a presença de jovens, em dia de jogos, nas imediações do estádio. A malta formava fileiras esperando, com alguma ansiedade, que o roupeiro do Desportivo, Firmino Lopes, vulgo “tio” Xaxinha, dantes um ilustre jogador do Luso, fizesse a sua equipa de honra e transportasse a rapaziada para o interior de um espaço que era literalmente vigiado nas portas de entrada por sisudos porteiros. É óbvio que aos relegados restava-lhes arranjarem um pai “emprestado”, à pressa, para ultrapassarem a triagem de uns fiscais que, embora franqueando as entradas a quem ostentasse o bilhete de entrada, não davam tréguas a uma miudagem que efusivamente pretendia ver o desafio ao vivo e a cores. A equipa do “tio” Xaxinha, escolhida com olho de “lince”, apresentava-se sempre unida. Se o Desportivo se encontrasse a ganhar, e uma bola fosse chutada para longe, não havia, de certeza, apanha-bolas disponíveis. Alguns, já tinham saltado o muro integrando uma multidão que em redor do retângulo irradiava um contentamento desmedido. Ao invés, se a tarde passava por um resultado negativo, lá estava, não apenas um, mas dois ou três rapazes a correrem, com valentia, para que a bola regressasse ao jogo o mais depressa possível. Era giro ver aqueles apanha-bolas envergando velhas camisolas que mais pareciam vestes de dormir de notáveis senhoras. Rapazes que o seu airoso trajar dava gozo à plebe que assistia ao duelo. Os mais pequenos extasiavam-se com a camiseta que lhes tapava os pés, ficando, porém, a certeza que a escolha do “tio” Xaxinha acertou “na mouche” uma vez que o “puto” correspondeu às instruções atribuídas nos bastidores pelo mestre. O apanha-bolas esfregava as mãos de contentamento visto que a sua missão tinha merecido nota alta do maioral. Tanto mais que a moçada, ao intervalo, regalava-se a pontapear a bola de catechu que lhe dava prazeres infinitos. No próximo prélio, a equipa que mostrou serviço seria alvo de uma merecida nomeação. Estes retratos de outrora caíram no limbo do esquecimento, restando a certeza que esses instantes marcaram gerações, cujas recordações são agora bênçãos que jamais desaparecerão de baús ajustados a imagens que ficarão implicitamente intactas em saudáveis mentes.
Fonte: Facebook de Jose Saude

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