sábado, 30 de abril de 2022

A viver um sonho

 Vicente Capela, o piloto bejense, sonha em ganhar o Campeonato Portugal Rotax

O Alentejo tem estado bem representado este ano no karting pelo piloto de oito anos, Vicente Capela, que tem conquistado bons resultados. Exemplo disso é o terceiro lugar na penúltima prova que disputou, no kartódromo de Baltar.

 

Texto Ana Filipa Sousa de Sousa

 

Os olhos azuis-claros que combinam com o capacete e contrastam com o número da sorte, o 10, gravado minuciosamente a amarelo no seu cimo, guiam acompanhados com um sorriso do início ao fim o “Diário do Alentejo” por uma visita à sua recente história pelo karting. Vicente Capela, de oito anos, é o dono do olhar brilhante e da gargalhada fácil que tem dado bons resultados nas primeiras provas da Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, tendo alcançado recentemente o pódio no início de abril.

 

A sua paixão pelos karts não apanhou os pais de surpresa. Jaime Capela, pai do jovem piloto alentejano, conta que desde sempre que os carrinhos, as rodas e os motores faziam as delícias em casa e que os carinhos de choque eram o momento alto de todas as férias escolares. Também o médico dentista de profissão olha para o karting como um desporto “especial” e não nega que será daí que Vicente herdou a emoção de estar em pista. “O Vicente começou há relativamente pouco tempo. Há cerca de três anos experimentou uma espécie de escolinha no kartódromo do Montijo onde teve o primeiro contacto com as bandeiras, as regras e a constituição dos karts e aí notou-se logo a apetência dele para a modalidade”, começa por explicar Jaime, sob o olhar atento do filho.

 

A pandemia veio atrasar a sua entrada para o karting profissional, tardia, na perspetiva dos entendidos que apontam os cinco anos como a idade ideal. Em vez de começar pela categoria de iniciação, caracterizada pelos karts elétricos e com um motor mais fraco que permite uma melhor adaptação, foi na categoria de cadetes quatro tempos que deu nas vistas logo na sua primeira prova, no final de fevereiro deste ano. “Há uma história engraçada na primeira prova. O Vicente ficou em segundo lugar nos tempos cronometrados e, antes de seguirem para as provas, o diretor de corrida e os comissários de pistas reuniram-se com os miúdos para lhes relembrarem das regras e da importância do desportivismo e, normalmente, os dois primeiros classificados estão uns passos mais à frente dos companheiros. Quando o diretor perguntou quem estava a competir pela primeira vez ficou surpreendido por o Vicente levantar o dedo ali tão perto dele e estar já naquela posição”, revela orgulhoso o pai.

 

A este orgulho junta-se ainda a emoção, a ansiedade, a preocupação e o medo sempre que o filho Vicente se senta no kart pronto para começar uma prova. “Quando ele está em pista é complicado, é uma parte difícil, um misto de sentimentos. O karting é um desporto que, apesar de haver muita preocupação com a segurança deles, com a obrigação de protetores cervicais e torácicos, luvas, capacete e fatos homologados, os acidentes costumam ser muito aparatosos. Estes karts profissionais não têm proteções, como nos amadores, então conseguem trepar pelos karts dos outros pilotos e por norma dá capotamentos, passagem por cima um dos outros e pilotos cuspidos, o que para quem está de fora nós imaginamos que lhes aconteceu o pior”, assegura.

 

Para Vicente, que se revê em Charles Leclerc, piloto da Ferrari em fórmula 1, a mente, a física e a técnica têm de estar alinhadas e a trabalhar em uníssono porque “se não tivermos um destes três acabamos por perder”. O jovem piloto da equipa Racing Academy & Competition (RAC) garante que os seus resultados vêm dos diferentes treinos que faz semanalmente. “Eu treino fisicamente no ginásio com o Nuno Malpão, nos kartódromos tecnicamente com a minha treinadora e coach Rita Teixeira e ainda treino psicologicamente comigo próprio”, afirma.

 

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Ainda que admita que o nervosismo está sempre com ele na linha de partida, a emoção e a felicidade de estar a praticar um desporto de que “gosta” e que lhe dá prazer são a adrenalina que o consome até voltar a ver a bandeira quadriculada no final da prova. A modalidade é “exigente e complicada”. São várias as regras que têm de ser respeitadas a uma velocidade tremenda, mas é também “muito divertido” ter o entusiasmo de ultrapassar as particularidades das pistas, dos tempos e das provas. “Eu tenho de respeitar e ter cuidado com as batidas, porque, por exemplo, se meter o ‘bico’, ou seja o chassi, parcialmente para dentro levo uma penalização de cinco segundos e totalmente de dez segundos. Nas partidas também tenho de ter atenção porque se for com uma velocidade muito alta posso meter as rodas do kart para fora das linhas e levar uma penalização de cinco ou dez segundos. O que quer dizer que os outros pilotos que estavam colados a mim ganham a minha posição e eu perco lugares na classificação”, esclarece, euforicamente, o aluno do terceiro ano.

 

A dinâmica entre os treinos, as provas e a escola são um autêntico “jogo de cintura” a que o Vicente, os pais e os professores tiveram de se adaptar este ano letivo. A falta de um estatuto de desportista profissional faz com que o bom desempenho escolar seja da responsabilidade da instituição de ensino, da professora que envia os trabalhos por correio eletrónico e do Vicente que, entre uma prova e outra, se senta ao computador a estudar e a resolver exercícios de matemática, português e estudo do meio. “Infelizmente não há nenhum estatuto, o que existe é uma declaração de justificação de faltas passada pela Federação para as sextas-feiras de prova, mas se esta for longe e for necessário faltar a uma quinta-feira para chegar ao destino só existe a compreensão e o bom senso dos professores e da escola em acarinharem e perceberem isto”, revela o pai de 43 anos. Relembrando ainda que em Espanha existe uma articulação “muito melhor delineada” entre as escolas e o karting profissional onde uma percentagem das faltas é justificada para desporto ao mesmo tempo que exigem bons resultados classificativos.

 

Visivelmente desiludido, Jaime Capela sente-se “triste” pela falta de apoios que a modalidade e os pilotos enfrentam todos os anos. “A partir da terceira categoria, a acima do Vicente, existem provas europeias, mundiais, ibéricas e nelas os pilotos elevam o estatuto da modalidade e de Portugal além-fronteiras, muitas vezes com bons resultados e pódios, e depois isso não é reconhecido”, relata. Contrariamente, “nós vimos cá com muita frequência miúdos de outros países a alcançarem pódios nacionais, porque treinam muito mais lá e ainda fazem provas no estrangeiro para aprimorarem as suas técnicas” carregando o sentimento de nacionalismo e patriotismo.

 

Além do fraco suporte a nível nacional, o karting não é, de todo, o desporto mais explorado na região alentejana e isso é evidente na forma com que os amigos do Vicente lidam com as suas conquistas. “Os meus amigos da escola não são muito interessados, porque como em Beja não existe esta modalidade eles não sabem muito bem. Os do ginásio perguntam-me como é que correu a prova e em que lugar é que fiquei. Só os meus amigos da equipa é que torcem para que eu tenha uma boa posição”, conta ao “DA” o rapaz que recentemente escolheu homenagear a Ucrânia com a sua bandeira no capacete.

 

Ainda assim, Vicente Capela não perde o seu foco, nem se intimida por ser um “rookie”, ou seja, um miúdo novo ainda sem experiência, e tem como marco principal para esta temporada ganhar o Campeonato Portugal Rotax, onde já conta com um terceiro lugar no pódio, a dois segundos do segundo classificado. “O que eu queria mesmo ganhar era o Campeonato Rotax, porque sei que tenho chances, agora também sei que o Campeonato Nacional é mais difícil”, afirma Vicente. O pai Jaime concorda: “o Vicente é muito focado e já por duas vezes que saiu de lá de dentro com a lágrima no canto do olho, sem querer tirar o capacete e a querer estar sozinho, porque naquela prova não correspondeu às expetativas dele. E no campeonato ele sabe que tem miúdos que andam muito bem, com carros que estão a comportar-se bem e ele tem essa consciência de que tem ali uns adversários de alto nível e que para isso tem de trabalhar e lutar”.

 

Também para os pais a participação do Vicente a nível profissional nas mais diferentes provas tem sido um compromisso árduo. O facto da maioria das corridas ser em kartódromos no norte do país tem levado a que seja feita uma gestão do tempo familiar e dos gastos em deslocação, estadia, inscrições, equipamentos e até nos famosos “gastos de segunda-feira”, ou seja, as despesas extras em peças depois das provas.

 

As próximas provas estão marcadas para o fim de semana de 13 a 15 de maio no Autódromo Internacional do Algarve, onde certamente os olhos azuis-claros do piloto Vicente Capela estarão postos no primeiro lugar do pódio e o Alentejo estará bem representado pelo sorriso contagiante do miúdo bejense.

Fonte:  https://diariodoalentejo.pt/

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