“Vivemos numa sociedade em que as pessoas cada vez têm mais dificuldade em socializar. Olho para a minha geração, éramos um grupo com 11 ou 12 miúdos, hoje só dois é que continuam a jogar futebol. Somos a única vila do concelho de Beja, perdemos o futebol de formação e deixou de existir essa oportunidade de os miúdos formarem um grupo para praticar qualquer desporto. São coisas que se vão perdendo”.
Texto Firmino Paixão
Claro! Tem toda a razão, senhor treinador. Perdão. Está certíssimo, senhor presidente do União Cultural e Desportivo Beringelense. É isso, o jovem Dinis Ferro, de 25 anos, nascido em Beringel, licenciado em Gestão, é jogador, treinador e presidente do Beringelense, clube que disputa o Campeonato Distrital da 2.ª Divisão da Associação de Futebol de Beja (AFBeja).
A equipa ainda não conquistou qualquer ponto nas 14 jornadas que já disputou, mas o treinador assegura: “Seja com que adversário for, entramos em campo com o objetivo de vencer. Temos visto a equipa evoluir, essa é a mensagem que temos passado ao plantel, os resultados ainda não corresponderam, mas notamos uma maior capacidade de competir e de estarmos mais próximos do nível dos outros, é inequívoco que o temos conseguido”.
A participação no campeonato é, só por si, uma prova de resiliência e, nesse pressuposto, garante o presidente: “Vou citar uma afirmação do meu pai no último jantar de Natal do clube: futebol é o maior movimento de associativismo no nosso país, a sua influência estende-se a todos os campos da nossa região. Se Beringel deixar de ter futebol e as outras terras também, aquilo que pode ser apelativo para atrair pessoas e contrariar a desertificação, tornar-se-á mais difícil.
Por isso batalhamos na ideia de mantermos este movimento associativo na nossa terra, porque tem uma importância social relevante. Vamos iniciar aqui uma escola de futsal, com ao apoio da AFBeja, que será a única forma de termos jovens a praticar pelo nosso clube”.
Dinis Ferro sublinha até que “o grande benefício de vivermos em pequenos meios é que nos conhecemos todos, convivemos entre todas as gerações, se não for assim, também não haverá muito a possibilidade de o fazermos, e então, as gerações cruzam-se muito umas com as outras. Foi assim que passei toda a minha infância e adolescência, com uma grande ajuda do futebol que fez essa ligação”.
Começou a jogar futebol na rua, como todos os miúdos da época. “Jogávamos com as pinhas que caiam dos pinheiros, corríamos à volta da escola e o poço era a baliza. Sempre foi assim, a rebentar sapatos, a rasgar calções e a esfolar os joelhos”.
Depois surgiu o momento de formação, que o jogador do Beringelense recorda. “A minha geração, os jovens nascidos em 97, foi a última que teve o prazer de ter feito parte das camadas jovens do Beringelense. Foram cinco anos, três no escalão de escolas e mais dois em infantis. Desde essa época nunca mais aconteceu”.
O seu percurso no desporto não é da sua inteira responsabilidade, já que o jovem teve uma forte influência para se sentir atraído pela modalidade.
“O meu pai adora futebol, o meu irmão jogava nos infantis e evoluiu, depois, para outros escalões. O meu avô foi um dos fundadores do Beringelense, houve sempre uma ligação muito forte com o futebol. O meu pai foi dirigente do clube, o meu tio Pedro Xavier era o presidente, os meus primos também jogavam… Enfim, sempre fomos uma família com uma ligação muito forte ao futebol e ao desporto em geral”.
Porém, no Desporto Escolar, experimentou o ténis de mesa (o pai, Rui Ferro, é dinamizador da modalidade) e basquetebol, mas assumiu que “foram experiências esporádicas”. O avô, o professor Martinho Ferro, foi o fundador do Externato António Sérgio, em Beringel, razão para que Dinis tenha vivido sempre em ambiente académico, o que lhe marcou o percurso.
“Claro. Sinto que fui um privilegiado, eu e os meus primos, nós os cinco. O nosso avô não chegou a conhecer nenhum de nós, mas diria que tivemos toda a infraestrutura do colégio, nomeadamente, nas férias de verão, tínhamos um pavilhão inteiro cheio de bolas, colchões, balizas… Trazíamos os amigos, divertíamo-nos imenso e essa vivência, num meio predominante académico, teve toda a influência nas pessoas que somos hoje e naquilo que nós pretendemos. É evidente que teve influência no meu percurso de vida. Somos sempre influenciados por aqueles que estão mais perto de nós e, vendo que esse foi o caminho que essas pessoas percorreram, optámos por segui-los até começarmos a tomar as nossas próprias decisões”.
O gestor fez também notar que “a grande mais-valia que Beringel possui é que os jovens têm acompanhamento desde o berçário até ao 9.º ano. Às vezes, dizemos, a brincar, que nos falta um lar, para que as pessoas tenham aqui todo o seguimento”.
Tentou a área da saúde, onde não se sentiu atraído, e acabou por se licenciar em Gestão, até porque sempre quis ter a sua própria empresa. “Por agora, estou mais num momento de adquirir conhecimentos práticos para, mais tarde, assumir o meu próprio investimento”.
E que melhor estágio do que gerir o Beringelense? “Na verdade, já fazia parte de anteriores executivos, fui convidado e aceitei de bom grado”. Mas leva a gestão tão a sério que, enquanto treinador, também gere as opções do plantel.
“Decidimos voltar ao futebol federado, não fazia sentido continuarmos no Inatel. Não tínhamos qualquer tipo de progressão, nem qualquer tipo de apoio se quisermos melhorar as infraestruturas do clube. Então, voltámos ao futebol federado e começámos por procurar um treinador. Foi muito difícil, falámos com 15 treinadores e não chegámos a bom porto, por variadíssimas razões, nomeadamente, por termos um campo pelado. Por isso, tivemos de ser nós a assumir as rédeas. Não sendo o que pretendíamos, foi a solução que encontrámos, mas, oficialmente, não sou treinador, porque não possuo habilitações para isso”.
Com esta dedicação ao clube da sua terra, sentir-se-á Dinis Ferro um exemplo para a comunidade onde nasceu e tem feito o seu percurso de vida? “Não! Nem é esse o meu objetivo. Sinto, isso sim, uma grande paixão por tudo aquilo que faço por este clube e pela minha terra, mas não me vejo como exemplo. No entanto, se alguém o vir dessa maneira, ficarei feliz e espero que, a seguir, venham outros para nos ajudarem a continuar este trabalho”.
Fonte: https://diariodoalentejo.pt/
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