sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

“Deixe-me entrar consigo”


“Senhor! Deixe-me entrar consigo. Diga que sou seu filho”. Foi uma frase repetida por muitos jovens nos domingos de bola, à beira dos portais do Estádio Municipal de Beja, então designado de Dr. Frederico Ulrich, para que os porteiros lhes franqueassem o acesso ao desporto.

Texto e foto Firmino Paixão

Eram muitos os adultos que desciam a avenida Vasco da Gama. O Café Cortiço, da família Abelha, irmãos Marcelino e Caetano Lança, era o ponto de encontro dos futebolistas de Beja que dali partiam em romaria até ao estádio, onde os putos dessa época “mendigavam” que alguém lhes desse a mão e os levasse para além da portaria para que lhes fosse permitido um primeiro acesso ao desporto que, já na época, era rei. Cá fora, o “Pinhão Sadio”, uma inesquecível figura desses tempos, agitava o fogareiro que torrava os pinhões, adelgaçando as pontas a pedaços de arame que serviriam de chave para abrir os frutos.
Nos largos da cidade, principalmente nos bairros mais emblemáticos, a garotada reunia-se ao pôr do sol, após os afazeres escolares, e a peladinha entrava no menu daqueles fins de tarde. Uma carica, um maço de cigarros amarrotado, uma meia trapeira eram artefactos que serviam de bola. A baliza era, por exemplo, a armação inferior, em ferro forjado, dos bancos do largo de Santo Amaro. Mas o regime não deixava a juventude jogar à bola na via pública. Na escola também não o proporcionavam com regularidade. Nos tempos livres predominavam as atividades sugeridas pela situação: a Mocidade Portuguesa, os acampamentos, os “Chefes de Quina” e os “Comandantes de castelo” e a ação psicológica do Estado Novo. A prática desportiva e a criação de hábitos de vida saudável eram elementos de menor importância. A polícia perseguia os jovens que apanhasse a jogar à bola na via pública ou que pisassem os espaços verdes existentes. Eram frequentes as correrias pelas travessas do “Arrabalde da Graça” à frente do “carocha” da polícia, que apelidávamos de “bola de nívea”, como se de criminosos se tratasse. Mas os espaços físicos para a prática desportiva eram raros ou inexistentes. Aproveitavam-se os baldios, as eiras, os campos de feira. O futebol dominava a atividade desportiva, as outras modalidades tinham atividade muito residual, até porque o movimento associativo não era estimulado e o existente era controlado e reprimido.
Chegou abril e com ele a Revolução dos Cravos. Um tempo novo. Um tempo de esperança que iluminou o rosto e a alma dos jovens, fazendo-os acreditar que existiria um novo rumo para o futuro. O povo fez e celebrou as suas conquistas. Organizou-se um Estado de direito democrático onde couberam os municípios, as freguesias, as assembleias, pilares fundamentais do poder local democrático que, pouco a pouco, se foi consolidando, revelando-se um pilar fundamental no reforço e na irreversibilidade da democracia. A abrangência das conquistas de Abril contemplou o desporto. Surgiram novos polos de associativismo por vontade e iniciativa popular que até aí estavam reprimidas. Fundaram-se novos clubes, novas associações, multiplicaram-se as manifestações desportivas, ganhando contornos de uma massificação sem paralelo na sociedade portuguesa. O futebol continuou a ser o farol, mas agora rodeado de pequenos focos de outras modalidades. À necessidade de novos espaços para a prática desportivo foi o poder local, após a satisfação de necessidades mais básicas, correspondendo com a construção de novos e melhores equipamentos, de espaços pluridisciplinares, das sedes de concelho, até às freguesias mais distantes e menos favorecidas, criando e reforçando um conceito democrático de proximidade com as populações.
Nos dias de hoje, aceitando que ainda existem algumas lacunas ao nível do enquadramento da atividade física e do desporto, especialmente nos programas curriculares do ensino público, os jovens já não estendem a mão a quem aceite fingir a sua paternidade, para os integrar num espaço desportivo. Os jovens, os menos jovens, os seniores, todos têm direito e são estimulados para a prática de uma atividade física ou de um desporto. Uma conquista de Abril, garantida e consolidada pelo poder local democrático, parceiro de excelência no crescimento, manutenção e desenvolvimento do movimento associativo, pilar essencial na disponibilização de espaços polivalentes para que a população, de uma forma muito transversal, tenha acesso à prática desportiva. E porque os jovens não são propriedade de nenhuma modalidade, muitos são os que praticam diversas atividades porque, ao virar de cada esquina, têm um campo de ténis, uma piscina, um polidesportivo, um pavilhão, um ringue, uma pista de atletismo, um circuito de manutenção, enfim, uma diversidade de equipamentos que o poder local nos tem oferecido ao longo destas quatro décadas de vida democrática.

Fonte:  http://da.ambaal.pt/

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