“Ser solidário, sim, por sobre a morte/que depois dela só o tempo é forte/e a morte nunca o tempo a redime/mas sim o amor-dos-homens que se exprime”, poema escrito, musicado e cantado por José Mário Branco que deu nome ao duplo álbum com o mesmo nome, editado no ano de 1982.
Texto Firmino Paixão
Solidariedade é “um sentimento de identificação em relação ao sofrimento dos outros”, respondem os melhores dicionários de língua portuguesa. Um espaço de cooperação, de partilha, de compreensão com o sofrimento alheio, mas também de interação e de ajuda. E neste tempo em que se têm perdido tantas vidas humanas, em que tantos portugueses perderam o seu ganha-pão, as suas casas, as suas vidas, mergulhando em situações absolutamente dramáticas, apetece refletir sobre as estrofes rimadas do poema do José Mário – “Ser solidário assim pr'além da vida/por dentro da distância percorrida/fazer de cada perda uma raiz/e improvavelmente ser feliz” – contrariando apenas o espaço e o tempo em que temos que ser solidários. É hoje, é agora, neste tempo e não para além da vida. Mas sim, claro, fazermos de cada perda de uma vida humana uma raiz que germine, que floresça e perfume essa esperança, que é a probabilidade de algum dia voltarmos a ser felizes.
Existe um pensamento, atribuído ao médico americano Jack McConnel, mais tarde perfilhado e multiplicado nas homilias pelos teólogos cristãos, segundo o qual na celebração do jantar o pai perguntava a cada filho “O que poderiam ter feito hoje para tornar alguém mais feliz e não fizeram?”. Ao tempo, esse pensamento, essa pedagogia enquadrada num ambiente familiar restrito, de pais para filhos, teria, não sabemos, desculpas de variadíssima ordem. Hoje, quase percorrido o primeiro quarto do século XXI, não tenhamos dúvidas, a resposta seria única “ser solidário”.
A solidariedade é, pois, nos tempos que correm, um sentimento essencial à vida em sociedade. Uma sociedade temerária, vacilante, expectante quanto aos avanços da ciência médica, ancorada ao esforço solidário e à incomensurável dedicação dos profissionais de saúde.
Bom, mas é a bola que nos permite estas reflexões, que nos abre este espaço de opinião. Vamos lá fazê-la rolar! O desporto em geral, e o futebol em particular, dão-nos bons exemplos de cooperação com o sofrimento alheio. Claro que o futebol, como qualquer outra atividade, é alicerçado no carácter e na idoneidade moral de pessoas e está, por isso, também exposto a que, de vez em quando, surjam as piores notícias, mas lá está, amiudadamente, são comportamentos adjudicados a gente sem carácter. Nestes tempos difíceis de uma pandemia que já ceifou quase dois milhões e meio de vidas em todo o mundo, mais de 15 mil no nosso país, o desporto vai dando exemplos de solidariedade.
A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) foi na frente. Colocou à disposição do Governo, através do Ministério da Saúde, as instalações casa dos atletas, na “cidade do futebol”, em Oeiras, adaptando o local para nele funcionar, temporariamente, uma unidade de retaguarda para acolher doentes de covid-19 em fase de recuperação, mas ainda necessitados de internamento e vigilância médica. O objetivo passou por diminuir a elevada taxa de ocupação das enfermarias das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo tem sido responsável pela coordenação clínica e operacional do espaço, adiantou a FPF. No momento em que os doentes recuperam, a Federação assinala simbolicamente a alta clínica com a oferta de uma camisola da seleção nacional, personalizada com o nome desse vencedor de um ‘jogo’ contra um adversário improvável e difícil, com tem sido a pandemia.
Chegou-nos também a notícia de que a Fundação Sporting, organização fundada em dezembro de 2011, atualmente presidida pela mourense Maria Serrano, a primeira mulher a ocupar uma vice-presidência do Sporting Clube de Portugal, afirmando a missão de responsabilidade social que esteve na sua génese, tem apoiado as unidades hospitalares do SNS, quer na construção e melhoria de infraestruturas, quer em importantes apoios logísticos. No último Natal, a Fundação Sporting, em articulação com núcleos locais, distribuiu presentes no Internato Masculino de Santo António e no Internato Feminino de Nossa Senhora da Conceição, ambos em Portalegre, no Centro de Acolhimento “Os Cucos”, em Elvas e na Santa Casa da Misericórdia de Beja.
Mas a solidariedade não é nenhuma faculdade exclusiva de quem está além do Tejo. Cá pela planície, bem debaixo das nossas vistas, também existe quem se preocupe com a dimensão da dignidade humana e apoie causas sociais. Recordemos o exemplo do Clube Desportivo de Beja que, sob o lema “Ajudar não Custa”, promoveu uma recolha de alimentos para apoiar o Banco Alimentar Contra a Fome. Mais recentemente, os atletas, técnicos e dirigentes do Grupo Desportivo Amarelejense, atentos ao período crítico vivido pela população de Amareleja, com um surto de covid-19 que entrou pelo lar de idosos do centro social, apoiaram financeiramente a instituição e disponibilizaram-se para ajudar famílias necessitadas. Mais a sul, sim porque os ventos de solidariedade também sopram no litoral, o Clube Desportivo Praia de Milfontes também congregou as vontades dos seus agentes desportivos, doando 200 quilos de bens essenciais para “apoio a famílias carenciadas naquela freguesia” como forma de “aligeirar o sofrimento e as necessidades que muitos estarão neste momento a atravessar.” É isso, solidariedade é um sentimento de cooperação e compreensão com o sofrimento alheio, com exemplos que, acreditamos, se multiplicarão um pouco por todo o nosso território.
Fonte: https://diariodoalentejo.pt
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