Marcos Borges, guarda-redes da equipa sénior
é o coordenador do futebol de formação do FC Serpa
Marcos Borges, guarda-redes da equipa sénior, é o coordenador do futebol de formação do FC Serpa.
Nasceu a 12 de dezembro de 1985, em Mértola e vive atualmente em Serpa.
Possui um mestrado em Ciências do Desporto, é professor de Educação Física e também treinador da equipa de futebol do Luso Serpense.
Começou a jogar futebol nos iniciados do Mértola, onde se manteve até vir, já sénior, para o FC Serpa. Conquistou uma Taça do Distrito, de juniores (2003/04), e outra de seniores (2010/11).
- Está há quatro anos no FC Serpa enquanto jogador da equipa
sénior e, nesta temporada, também como coordenador da formação. Mas a
experiência com equipas de escalões de formação é anterior. Quando
começou?Nasceu a 12 de dezembro de 1985, em Mértola e vive atualmente em Serpa.
Possui um mestrado em Ciências do Desporto, é professor de Educação Física e também treinador da equipa de futebol do Luso Serpense.
Começou a jogar futebol nos iniciados do Mértola, onde se manteve até vir, já sénior, para o FC Serpa. Conquistou uma Taça do Distrito, de juniores (2003/04), e outra de seniores (2010/11).
- Logo no ano em que cheguei. Para além de jogador fiquei também como treinador dos petizes e traquinas.
- São os escalões dos mais novos?
- Sim, os que ainda não têm competição. Mas no ano seguinte passei para os benjamins, com os quais fiquei dois anos e esta época fiquei com os infantis.
- Acompanhou sempre o mesmo grupo?
- Exatamente, é essa a ideia.
- Que escalões existem no clube e a que idades correspondem?
- Entendemos que se pode começar a jogar aos quatro, cinco anos, a partir do momento em que se tenha vontade e uma motricidade mínima que o permita. A estas idades correspondem os petizes; a seguir vêm os traquinas, que têm até oito anos; depois os benjamins, o escalão onde se inicia a competição e que têm nove e dez anos; os infantis têm 11, 12; os iniciados, 13, 14 e os juvenis, 15, 16.
- Por que razão não há juniores?
- Em Serpa é difícil porque corresponde às idades de ir para a faculdade e, com exceção de quem vai para Beja, é impossível formar-se uma equipa.
- A equipa feminina, que é de seniores, também está integrada na formação. Porquê?
- Porque tem atletas muito jovens. Isto é, apesar de competir no escalão de seniores, a base de recrutamento é dos escalões de formação e por isso faz mais sentido estar englobada neste departamento. Para além disso, muitas jogadoras nunca estiveram em outros escalões e estão agora a iniciar-se.
- Globalmente, quantos atletas e treinadores tem a formação?
- Atletas, são cerca de cem. Treinadores, há sete, um por escalão, com exceção dos mais pequenos que têm dois; portanto, sete. Cada escalão possui, também, um dirigente que lhe dá apoio direto, embora outros também o façam rotativamente. A maior parte destas pessoas são pais de atletas.
- É um trabalho que lhe dá prazer?
- Imenso. É a minha área de formação e, de facto, gosto muito de ensinar os grandes princípios de jogo aos mais pequenos, logo quando se iniciam. Aliás, a aprendizagem de regras não é essencial apenas para o futebol é também para a vida. Essa é, também, a essência da formação do FC Serpa, formar os seus atletas para a vida.
- Quais são as grandes linhas do setor de formação do clube?
- Existe um projeto, que já foi pensado há algum tempo mas que só foi implementado este ano, que define os valores e as regras que todos devem cumprir, seja em que escalão for.
- Que valores são esses?
- O primeiro é o respeito. Os jogadores devem ter respeito por eles próprios, pelos colegas, pelos treinadores, no fundo por toda a estrutura do clube. Segundo, devem sentir prazer em treinar, em perceber o jogo e em gostar de jogar. Cada atleta tem de ter prazer naquilo que faz, caso contrário não há sentido em estar no futebol. Depois, devem saber estar em equipa, ajudar os companheiros, contribuir para o objetivo geral do coletivo....
- ... Ganhar jogos...
- Vai mais além, pois, na formação não nos restringimos a essa visão. Interessa que os jogadores sintam que fazem parte de uma equipa e que essa ideia possa ser transposta para as suas vidas, seja na escola, na família ou na sociedade.
- Mas também aprendem a jogar e a competir, não é? Como se faz a progressão dos jogadores?
- Em primeiro lugar, pretende-se que a passagem entre escalões, ou seja, a progressão, se faça da maneira mais suave possível. A aprendizagem do jogo começa logo nos mais pequenos, seja em situações de dois-para-dois, de três-para-três ou até de um-para-um. Em todas as situações se devem perceber que os objetivos são atirar, passar, ter a bola, marcar golo, ou seja, devem perceber todas essas fases desde o início. Queremos que a progressão seja de tal forma que, quando chegam à competição, os atletas não notem essa situação.
- Mas têm competição.
- Certo, e têm até uma convocatória, mas o objetivo é que eles nem notem essa mudança, pois o jogo é muito semelhante ao que eles já faziam.
- Essa passagem de escalões de forma impercetível também ocorre quando passam do futebol de sete para o futebol de onze?
- Essa passagem dá-se dos infantis para os iniciados e é a transição mais difícil. Mas é possível minimizá-la. Isso faz-se gradualmente, procurando que os jogadores mais novos comecem a treinar-se gradualmente com os do escalão mais velho para se adaptarem às dimensões do campo, à velocidade do jogo, à dimensão das bolas, etc. Este ano tivemos a sorte de a AF Beja ter repensado o escalão de Benjamins e tirou-lhe a vertente competitiva. Isto é, não há um campeonato como havia até aqui, mas sim jogos organizados por fases; começa-se por uma mais local, para evitar as despesas dos clubes, por encurtar as deslocações; depois passa-se para outra onde já se faz um emparelhamento tendo em conta o nível competitiva, mas onde se tem o cuidado de não juntar equipas com capacidades muito diferentes, evitando-se resultados muito desnivelados que são desmotivadores para quem ganha e para quem perde; só na parte final é que surge a vertente competitiva mais vincada que já é marcada de forma acentuada pelo nível competitivo. Contudo, não se apura um campeão, da forma como é tradicionalmente entendido.
- Quais são as grandes etapas da construção de um jogador?
- A primeira é o contacto com a bola, essencial na fase de pré-competição que corresponde ao petizes e traquinas. Eles tocam na bola, passam-na muitas vezes, rematam muitas vezes e, se possível, que o façam também em fase de jogo, para que esses movimentos não sejam demasiado analíticos, isto é, que os jogadores o saibam fazer em treino mas não no jogo e isso acaba por ser desmotivador. Aliás, o treino tem de ser concebido de maneira a que os atletas transfiram a aprendizagem para o jogo.
- Depois?
- Depois vem a fase do futebol de sete, que já tem a ver com os princípios gerais do jogo, tais como a criação de superioridade numérica a atacar e a defender...
- Questões estratégicas, portanto...
- Um pouco, mas não só. Interessa que, independentemente da maneira como a equipa joga, mais avançada ou mais recuada, o que o têm de saber são os princípios de entreajuda, de desmarcação, de proteção da baliza, entre outros. Para quê tudo isto? Para que, quando eles chegam ao futebol de onze, tendo isto garantido, se possa partir para a parte estratégica já de uma forma bem definida.
- O que significa isso?
- Significa determinarmos como queremos jogar, se com as linhas recuadas e apostando no contra-ataque, ou mais subidas privilegiando a posse de bola, etc... e aqui já começamos a falar de ter alguma articulação com treinador da equipa sénior.
- Como?
- Ter conhecimento do modelo de jogo da equipa principal para a formação. Especialmente para os juvenis, que são o escalão mais alto, mas indo em pirâmide até aos mais novos.
- Mas isso coloca um problema, que é a mudança de treinador, como aliás aconteceu este ano. Por exemplo, neste caso, os princípios mantiveram-se os mesmos?
- Bem, de facto, esse problema pode colocar-se em termos gerais, já que as mudanças de treinador são frequentes em muitos clubes. Quanto a isto, não há volta a dar, há anos que é assim e provavelmente vai continuar a ser. Aliás, regra geral, quando se troca de treinador não se pretende só mudar de pessoa, mas também a forma de jogar. Isto traz obviamente constrangimentos quando se tem este tipo de ligação entre os escalões de formação e o sénior.
- Como foi no caso do FC Serpa?
- Quando Paulo Paixão chegou apresentámos-lhe o projeto e trocámos impressões sobre ele. No entanto não aprofundámos muito os princípios de natureza mais estratégica e tática, pois é o primeiro ano que o estamos a implementar. Para além de estarmos confrontados com um problema para resolver, antes de pensarmos nessa articulação, que é a ausência de juniores. Este escalão seria o que iria fazer a transição para os seniores das questões estratégicas que são dadas nos iniciados e juvenis.
- O salto é muito grande?
- É. Ele pode ser dado por alguns atletas, que até já se treinaram com os seniores, embora não por todos. Mas também sabemos que há princípios que são gerais a tudo e que nós pretendemos que os atletas que chegam aos juvenis tenham. Ora, sendo assim, é muito mais fácil para qualquer dos nossos jogadores adaptarem-se aos seniores.
- Voltando à formação dos jogadores, há uma altura em que o objetivo de vencer ganha peso. Como é que isso se dá?
- Isso começa realmente a ser importante principalmente a partir da transição para futebol de onze. Nessa altura começa-se a olhar para a maneira como o jogo decorreu, começa a olhar-se para o resultado, para a classificação. Mas não de uma forma simplista, do género, hoje ganhámos porque somos melhores ou perdemos porque somos piores. Não, o que interessa é perceber que é importante ganhar os jogos, obter uma boa classificação, passar às fases seguintes das competições, mas sempre sabendo que isso é resultado do trabalho que se vem fazendo detrás e que permite chegar aos objetivos. Uma coisa é clara, os objetivos competitivos só fazem sentido se os outros que estão para trás estiveram garantidos. É, pois, importante incutir o espírito de vitória na formação porque quando se chega aos seniores isso é o que mais interessa.
- Isso passa só pelo clube?
- Não e este é um aspeto que às vezes se fala pouco mas também vamos tentando incutir nos jogadores a vontade e o objetivo de serem chamados para as seleções distritais. Só somos competitivos quando defrontamos outras equipas se formos competitivos connosco, se formos competitivos no treino. Nos treinos também ganhamos alguma coisa, também há vitórias e são essas vitórias que se vão transpor para os jogos.
- Temos estado a falar de crianças e de jovens, portanto de indivíduos em cujas vidas os pais têm papel determinante. Qual é a relação do clube com estes pais? Eles ajudam ou há alguns que interferem, digamos, de forma indesejada?
- Bem, em primeiro lugar, apesar de pretendermos encarar todos por igual, cada caso é um caso, pois cada pai tem um relacionamento específico com os seus filhos. Neste sentido, estamos num meio pequeno mas apanhamos um pouco de tudo. Sobretudo nos escalões dos mais pequenos, apanhamos os pais que vão sempre mas também os que nunca vão. Depois há os que estando sempre lá que querem que os filhos joguem sempre e compreendem quando eles não jogam, mas também há o contrário. Há alguns que não aparecem mas interessam-se porque sabem que os filhos estão integrados e querem deixá-los fazer o seu percurso sozinhos, enfim, as situações são múltiplas. Mas a questão dos pais é muito importante e tem de se saber lidar com ela. Por exemplo, nos escalões de base, onde a competitividade ainda não existe, ou onde existe em menor grau, procura-se que os pais não construam de imediato a ideia de vitória ou de ser logo o melhor do mundo quando se tem só sete ou oito anos.
- É uma relação sempre pacífica?
- Há determinados momentos, seja treinos ou jogos, em que vemos os pais a darem indicações aos filhos. Ora, isto pode perturbar a equipa, mas também sabemos que não há forma de o controlarmos, nem temos esse direito. O que pretendemos é levar a que os pais o compreendam de maneira inversa, isto é, que, tal como os seus filhos, também neles a competitividade vá sendo introduzida gradualmente. Que o espírito passe dos filhos para os pais, de dentro para fora do campo. Os pais são evidentemente muito importantes para os filhos e a aprendizagem das crianças também é feita seguindo o modelo dos pais e se eles tiverem comportamentos incorretos que os pequenos jogadores vão imitar, devemos chamar a atenção para isso.
- Podemos dizer que os pais são uma ajuda e não um problema?
- Sim. Mesmo em termos de logística, nos transportes, por exemplo, são uma grande ajuda. Mas não só, pois eles acompanham sempre as equipas, quer nos jogos em casa quer fora. Aliás, o nosso projeto passa pelo acompanhamento dos pais e isso está garantido. A relação entre o clube e os pais é, sem dúvida, benéfica.
- Ao longo da conversa ficámos a saber que há uma série de princípios, não só desportivos mas também de cidadania, digamos assim, que são transmitidos aos jogadores durante a formação. Contudo, em alguns casos, esses princípios parecem perder-se quando eles chegam aos seniores, provavelmente por pressão dos espectadores e da população em geral, que não parece primar muito por um elevado grau de cultura desportiva. Como se lida com isto?
- Não querendo fazer juízos de valor de quem quer que seja, esse aspeto tem a ver com a forma como o futebol sénior está organizado. Continua-se, em muitos clubes, a ver o escalão principal da mesma forma que víamos há vinte ou mais anos. Alguns desses "vícios" que "contaminam" os atletas recém-chegados da formação – e é inegável que isto acontece – são adquiridos através da imitação. Isto é, se um determinado jogador mais experiente, que joga no clube há dez anos e é referência, tem determinado comportamento, os mais novos tendem a fazer o mesmo para virem a ser como eles. Baseando-me na minha experiência de jogador, que não é muita pois tenho 28 anos e só conheci dois clubes, observo que o FC Serpa nunca desceu para a II Divisão. Isto tem alguma importância porque, atendendo à realidade distrital, isto só foi possível porque a formação, independentemente de ter sido feita de forma melhor ou pior, tem tido importância. Ora, nós queremos que essa tendência continue e até se acentue, isto é, que vão entrando mais jogadores da formação e que, quando dermos por isso, o núcleo duro da equipa já seja formado maioritariamente por jogadores que vieram das escolas do clube, levando a que os comportamentos se alterem.
- Teremos, então, de esperar mais uns anos?
- Atenção, eu não estou a dizer que havia maus exemplos no FC Serpa. Quando aqui cheguei, em 2010, as referências do balneário eram o Edinho, o Piroleira, etc., jogadores que deixaram o clube mas cujo exemplo se manteve. Isto significa que não há os tais maus vícios que por vezes se diz que existem. Essa foi a minha aprendizagem quando cheguei à equipa de seniores.
- O problema não terá tanto a ver com os jogadores, mas sobretudo com o público. Por exemplo, raramente os adeptos admitem que os árbitros assinalem uma falta contra a sua equipa. Reclamam imediatamente e por vezes os jogadores vão atrás. Não será assim?
- A questão do público é talvez a mais complicada. Ela começa com o facto de haver pouco público nos jogos da formação. Os jogadores dos escalões jovens estão habituados a ter 20 ou 30 pessoas a ver os jogos. Quando chegam aos seniores esse número é, por vezes, multiplicado por dez ou mais. Essas pessoas fazem muito mais barulho, chateiam, criando um ambiente que não passa despercebido aos jogadores.
- A questão é: pode-se educar o público?
- Era importante mas não é fácil na perspetiva da formação, porque nestes escalões a obrigação de ganhar só é colocada nos últimos anos. E se atendermos a que o público vai muito pouco a estes jogos, não percebe a importância de, por exemplo, poder perder um jogo mas dar oportunidade a mais jogadores. É importante lidar com uma realidade que não tem exclusivamente que ver com a vitória a todo o custo. Assim, quando os jovens chegam aos seniores, vão deparar-se com uma realidade onde os seus adeptos não lhe perdoem que falhe. Os futebolistas vêm habituados a encarar os erros, não com um sentimento de frustração, mas como uma oportunidade de aprendizagem. O público não foi educado para encarar as derrotas desta maneira e não reage bem.
- Os atletas que aparecem nos escalões de iniciação, regra geral, já possuem o mínimo de competências, de jeito, digamos assim, ou podem adquiri-lo com a prática?
- Temos exemplos muito variados. A experiência tem-me mostrado que nos petizes e traquinas há diferenças muito grandes, quer técnicas quer da perceção do jogo. No entanto, nos desafios, não notamos muito estas diferenças. Porquê? Vou dar um exemplo. Se tivermos uma boa perceção do jogo colocamo-nos bem no campo; ao fazê-lo encontramos tempo e espaço suficientes para decidir bem e dar continuidade técnica a essa decisão, isto é, fazer um bom passe ou um bom remate. A parte mental do jogo, que é esta perceção a que me referi, é muito trabalhada para ser a primeira a ser adquirida. Na equipa feminina, onde há gente a entrar com idades mais avançadas, 15 e 16, até mais de 20 anos, há exemplos disto. Se as jogadoras entenderem isto, apesar da idade tardia já não lhes permitir atingir os níveis técnicos das companheiras que se iniciaram mais cedo, podem dar resposta às necessidades do jogo.
- Resumindo...
- Bem, apanhamos de tudo,- jogadores com maior e menor talento, isso nota-se bem, mas essa capacidade não é tudo, pois, treinando, isso sim, é essencial, a parte técnica acaba por surgir.
- Maioritariamente, as crianças querem ter a bola e jogar ao ataque para marcar golos. Este é o objetivo do jogo. Mas é preciso haver jogadores para todas as posições, onde se tem pouca bola e raramente se marcam golos. São as crianças que fazem essas escolhas ou os treinadores têm de as forçar um bocadinho?
- Mais uma vez reporto-me à minha experiência, que ainda não é muita. Os exemplos são diversos. Há o caso dos jogadores que querem determinada posição, independentemente das suas características, anatómicas ou outras, serem adequadas. Isto é comum nos guarda-redes e nos pontas-de-lança. Depois, há os jogadores que cumprem o que o treinador lhe diz, talvez porque lê bem o jogo e se adapta, ou porque quer é jogar, não se importando com a posição, finalmente temos o jogador que, apesar de querer determinado lugar chega à conclusão de que é melhor em outro e se ajusta. Como é que nós, treinadores, tentamos resolver isto, uma vez que não podemos ter dez pontas-de-lança ou dez guarda-redes numa equipa? Primeiro, procuramos que todos cumpram alguns princípios que têm de ser iguais para todos. Por exemplo, que o ponta-de-lança saiba como o defesa direito joga; isto é bom para que ele perceba o que todos têm de fazer e assim possa entender, por si, onde se encaixa melhor. Não raras vezes são os jogadores que acabam por dizer ao treinador que- gostavam de experimentar outra posição e isso normalmente é bem-vindo.
- As posições definem-se logo de pequeninos?
- Na passagem do futebol de sete para o futebol de onze o leque abre-se, surgindo, por exemplo, novos lugares para avançados. Isto é muito importante porque um jogador que tem boas condições para ser avançado mas não tem espaço o futebol de sete, pode passar a ter no futebol de onze. No fundo, embora guiados pelos treinadores, os jogadores acabam por atuar nas posições que mais gostam.
- Para além da parte coletiva, os jogadores também pensam individualmente, isto é, têm ambições pessoais. Já lhe passou pelas mãos algum jogador com vontade e com condições para jogar a um nível mais elevado?
- Há duas pistas para essa resposta. Existem jogadores cuja qualidade se vê claramente. E não falo apenas dos que marcam mais golos ou dos que têm mais técnica, refiro-me aos que lêem melhor o jogo. No FC Serpa temos futebolistas que já foram às captações de grandes clubes, são atletas que têm um potencial enorme. Se conseguirão ou não chegar longe depende, também, da sorte. Agora, no clube há potencial e muito. Temos jogadores que já ganharam troféus individuais em torneios dentro e fora do distrito de Beja. Isto significa que têm qualidade e que têm trabalhado bem.
- Qual é a outra pista?
- É a parte mental. Há os que querem chegar longe e há os que acham que podem lá chegar. Se eu acho que posso é porque tenho noção das minhas capacidade e sei que se trabalhar bem posso um dia ser bem sucedido. Depois há o que quer, o que é importante mas não chega. Pode faltar talento; trabalhando podemos melhorar muitas coisas mas aquele talento que nasce com cada um, se um jogador não o tiver nunca será o melhor do Mundo. Finalmente, há o que os pais acham que os filhos são capazes de fazer e os que querem que eles façam. Aqui estamos perante a mesma coisa a que me referi há pouco.
Há um exemplo importante em Serpa que é a equipa de juvenis de andebol do Centro de Cultura Popular. Está na I Divisão nacional e já ganhou este ano ao Sporting e, salvo erro, ganhou no ano passado ao Benfica. Isto significa que, se a formação for bem feita, conseguem-se bons resultados. É claro que o andebol tem menos expressão e menos praticantes do que o futebol, mas isso não invalida que pensemos que, se isto é possível em outras modalidades, tais como, se calhar, também na patinagem, por que não conseguir o mesmo no futebol? Eles conseguiram maximizar os meios que têm à disposição, talvez nós também o consigamos.
- Em jeito de balanço, como está o futebol do FC Serpa? O projeto é para se manter? Sente que há condições para isso?
- Em primeiro lugar, é importante dizer que qualquer projeto, seja de que natureza for, neste contexto depende muito das direções. As pessoas que dirigem clubes como este fazem-no, essencialmente, porque gostam desses clubes. E nem sempre é fácil manter estes projetos, pois as direções mudam e as pessoas que chegam podem não gostar das ideias das anteriores e as coisas mudam. Isto é ponto assente e temos de saber viver com isto.
- Como?
- Mostrando, de forma inequívoca, a quem vem de novo que determinado projeto é importante. Esta é a base do nosso projeto e por isso eu acho que tem pernas para continuar. Quer dizer, se a ideia é formar jogadores capazes de entrarem na equipa sénior, esses jogadores têm de ser bons, logo o projeto tem de ter qualidade. Se também os jogadores sentirem isto, se quiserem ir progredindo, as coisas cimentam-se. Tomemos como exemplo-os iniciados, a equipa que demorou mais tempo a formar nesta temporada. Isto porque, enquanto nos infantis, que jogam futebol de sete, se consegue formar uma equipa com 13 ou 14 jogadores, em iniciados joga-se futebol de onze e esse número de jogadores é curto para formar uma equipa. Houve dificuldades mas conseguiu-se e os resultados até foram bons. Podíamos ter arranjado a desculpa da equipa se ter formado tarde para baixar as expectativas,-mas não, os jogadores, os treinadores, todos decidiram lutar por objetivos exigentes. Pois bem, foi possível fazer-se isto porque já havia um bom trabalho anterior. Este, é o nosso objetivo, criar uma boa base para o futuro.
- É o primeiro ano. Está tudo bem?
- Claro que há aspetos a melhorar, muitos deles, aliás, só saberemos depois de os experimentarmos. Tudo será alvo de avaliação no final da época para se fazerem os ajustes necessários à continuação.
- Finalmente, o Marcos treinador e coordenador da formação é simultaneamente o Marcos guarda-redes da equipa sénior. Portanto, um modelo, não só para a generalidade dos seus jogadores, mas sobretudo para os guarda-redes. É mais fácil aparecerem guarda-redes nas equipas jovens por causa disso? E eles querem ser como o treinador?
- É claro que há uma relação entre esses aspetos,-mas isso tanto é válido para mim como para outros treinadores que também são jogadores. Bem, no meu caso é evidentemente mais fácil eu chegar ao pé de um jogador e dizer que ele tem boas características para aquela posição. Mas já me aconteceu ter um miúdo que era guarda-redes, e com condições que considero excelentes, dizer que prefere jogar em outra posição.
- É bem claro que todos sabem que o treinador é o guarda-redes da equipa principal.
- Sim. Pedem-me conselhos e eu digo-lhes para irem ver os jogos dos seniores. Mas não tenho mais guarda-redes por causa disso.
- É comum dizer-se que em Serpa não há tradição de guarda-redes. A ser verdade, isso vai acabar quando estes jovens crescerem?
- Bem, antes de mais, não estou por dentro do assunto mas acho que houve bons guarda-redes em Serpa. Alguns não estão por cá, outros andarão afastados, talvez por isso se fale pouco deles. De qualquer maneira, o que considero importante para o futuro é que apareçam bons treinadores de guarda-redes, de preferência que possam ser referência na baliza do clube. O David, por exemplo, também está a treinar a formação. Gostaríamos de ter um treinador para cada escalão, o que ainda não foi possível. É um lugar específico que precisa de atenção especial. Se este processo de formação de guarda-redes estiver definido da base até ao topo é mais fácil aparecer um bom guarda-redes, que seja referência no FC Serpa por bons dez ou quinze anos.
Fonte: http://www.fcserpa.pt
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