“A Taça é o objectivo principal”
José Manuel Rações é o treinador da equipa principal do FC Serpa na
época de 2014/2015 que está prestes a iniciar-se. Aos 44 anos começa a
sua 4.ª temporada como treinador, depois uma brilhantíssima carreira de
jogador, durante a qual acumulou inúmeros títulos distritais, subidas ao
Nacional e uma quantidade de golos difícil de calcular.Na ainda curta vida de treinador levou o Piense a subir da 2.ª à 1.ª divisão logo na sua época de estreia, em 2011/2012, e à conquista da Taça do Distrito, no ano seguinte.
De regresso a "casa" — à terra que o viu nascer e onde vive, e ao clube que representou muitos anos e que escolheu para terminar a carreira — enfrenta o difícil mas aliciante desafio de liderar uma das equipas mais prestigiadas do distrito. Frontal, corajoso e com ambição, mas também humilde e com os pés no chão, fala sobre o modelo de jogo que idealizou e as expectativas para a temporada.
— Como encarou o convite para ser o treinador do FC Serpa?
— Sabia que mais tarde ou mais cedo isso aconteceria. Sou de cá, joguei no clube, portanto era uma questão de tempo.
— Para além de ser de Serpa, jogou muitos anos no clube e foi aqui que acabou a carreira de jogador. É, como se costuma dizer, um homem da casa. Isso é uma vantagem ou uma desvantagem?
— Há vantagens e desvantagens, mas acho que mais desvantagens.
— Mais desvantagens?
— Sim, é uma enorme responsabilidade, sobretudo porque o FC Serpa tem um grande nome no distrito. Depois, há muitos anos que um treinador de Serpa não treina esta equipa... e só espero que o ditado "santos da casa não fazem milagres" não se confirme. Acresce a isto que este talvez não fosse o momento certo para eu vir.
— Porquê?
—Por causa das dificuldades que esperava vir a encontrar e se confirmaram.
— Que dificuldades são essas?
— São de vária natureza. Começam pela forma como o FC Serpa tem encarado o futebol de há uns anos a esta parte. Para um clube com este nome, e para muitos dos seus jogadores que estão no auge da carreiras, a conquista de uma Taça do Distrito e um 2.º lugar no campeonato, que toda a gente esquece no ano seguinte, são muito pouco.
— Está a dizer que não havia ambição?
— Não é bem. A equipa até podia ter vontade de ganhar, acredito que sim, só que estava muito dependente de uma maneira de jogar que, podendo dar alguns frutos, não era constante de época para época.
— O modelo de jogo não era adequado, é isso?
— Exato. Jogava-se um futebol muito direto, de ataques rápidos, só que, quando isso não funcionava e havia a necessidade de trabalhar mais o jogo, a equipa sentia muitas dificuldades. Ora bem, com a boa qualidade dos jogadores do FC Serpa pode-se fazer melhor, jogar de maneira a impor um futebol mais constante, logo, com outras aspirações.
— Pode, portanto, concluir-se que a forma de jogar vai ser alterada, passando-se a um estilo de futebol mais apoiado.
— É isso e esta maneira de jogar irá fazer com que os jogadores se sintam mais seguros. Estas são as minhas ideias.
— Está a dizer que a equipa ficava conformada quando as coisas corriam mal e não era capaz de reagir?
— O que eu quero dizer é que o FC Serpa tinha sempre muitos problemas quando os adversários se fechavam bem. Mas, atenção, a equipa tinha pontos fortes. Por exemplo, quando estava a ganhar e obrigava os oponentes a subirem, a equipa era muito rápida a contra-atacar e tornava-se perigosa. Claro que é bom que esta característica se mantenha, o que eu quero é que não se fique só por isto, que se altere o "ship" e se trabalhe mais o futebol.
— Está conseguir essa alteração?
— Confesso que não tem sido fácil, pois os hábitos antigos estão muito arraigados.
— Era essa outra das dificuldades que esperava encontrar?
— Sim e, por isso, cheguei a pensar que talvez não fosse este o momento ideal para vir para o clube. Mas não tenho medo de enfrentar dificuldades e cá estou. Mas, é claro, isto não se consegue de um dia para o outro...
— Significa isto que vai demorar algum tempo até a equipa estar a jogar como pretende?
— Pode acontecer.
— É preciso, então, ter paciência.
— Pois é, mas sabemos que a paciência não abunda no futebol, e eu já tive a prova disso, no Piense. Na época passada, ao fim de dois anos e meio, quando chegou uma fase mais complicada, pronto, lá tive de sair.
— Esse tipo de futebol que está a procurar implementar é o mesmo que fez no Piense?
— Em certo sentido, sim. Foi um trabalho que demorou algum tempo e que deu frutos. Uma subida de divisão e duas taças, embora eu tenha saído do clube a meio da época em que se conquistou a segunda. E com poucos recursos, pois, quando fui para o Piense, poucos lá queriam jogar e foi graças à minha palavra que aceitaram ir para a equipa que, nessa altura, estava na 2.ª divisão.
— No FC Serpa veio encontrar um plantel mais forte do que o que tinha no Piense?
— É semelhante ao do ano anterior, o que quer dizer que é bom. Vamos ver se conseguimos fazer uma boa equipa.
— Tem a qualidade que pretende?
— Não sou muito exigente nesse aspeto. Vejo a realidade dos clubes e sei até onde podem chegar, por isso não peço o impossível, para que as direções acabem as épocas de consciência tranquila, com as contas todas certas.
— Quanto a objetivos, pode dizer-se que são as conquistas do campeonato e da taça?
— Temos de começar pelo princípio. Estamos a construir uma equipa e não é fácil as coisas saírem bem logo à primeira. É claro que entraremos em todos os jogos para ganhar, isso é ponto assente. Iremos apanhar muito boas equipas, os jogadores hão de ter os seus dias maus, enfim, há uma série de contingências que nos dificultam a vida, mas o FC Serpa tem um nome que o obriga a andar sempre nos primeiros lugares.
— É assim no campeonato e na taça?
— Na taça, onde os jogos são a eliminar, queremos chegar à final. Para ganhar, é a taça! No campeonato as dificuldades são outras, há adversários com recursos bastante maiores e, logo, muito bem apetrechados.
— Considera que, tal como na época passada, há equipas com condições muito acima da média?
— Há, de facto, um grupo que se distancia, do qual fazem parte Castrense, Odemira, Milfontes, Vasco da Gama. Até o Piense tem, este ano, uma equipa mais forte. O FC Serpa tentará entrar neste grupo.
— Chegar aos primeiros?
— Primeiro vamos tentar criar bases para isso. Aliás, quando conversei com o presidente, o que ele me pediu foi para arrumar a casa, pois havia situações das quais ele não gostava. Pediu-me para tentar arranjar um balneário forte e é também o que estou tentando fazer. Quanto a ganhar, ninguém gosta mais disso do que eu. Sempre fui assim. Vamos apanhar chuva, frio, vamos trabalhar muito, fazer sacrifícios nos treinos e não será por falta de empenho nos 90 minutos de cada jogo que vamos deitar fora as semanas de trabalho.
— As condições para trabalhar são boas?
— Sim, o FC Serpa oferece boas condições. Não estou a falar de condições monetárias, pois sabemos que, regra geral, os clubes estão cada vez pior, estou a referir-me aos campos, aos equipamentos, ao apoio do clube.
— Por parte dos adeptos, sente alguma aproximação?
— Por enquanto, não. Só quando os jogos começarem a sério é que as pessoas se aproximam e começam a manifestar-se; pela positiva se ganharmos, pela negativa se perdermos.
— E no que diz respeito às expectativas, como sente o ambiente?
— Até agora, nada de especial, até pelo facto de não termos feito grandes resultados na pré-temporada.
— Porque os adversários eram muito fortes?
— No início sim, depois nem por isso. O que se passa é o que já referi há pouco, isto é, temos de esperar, de ter paciência pois a equipa está a mudar de processos de jogo e os resultados podem não aparecer imediatamente.
— Portanto, quem assistir aos próximos jogos não vai, ainda, ver a equipa em pleno...
— Talvez não, ainda vai haver dificuldades e ainda temos muito trabalho pela frente. Isto leva tempo...
— Este é o tipo de futebol que se adapta melhor à equipa?
— Pode não ser. Não é fácil, neste momento, sabê-lo. Tento fazer o que considero melhor, o que mais gosto, mas sou pessoa para mudar se vir que as coisas não resultam. Sei que não tenho o dom da verdade.
— A generalidade das equipas do distrito pratica o tipo de futebol que quer implantar no FC Serpa?
— Não, Basicamente, essas equipas procuram defender bem e contra-atacar com rapidez. Quando jogam fora de casa, fecham-se muito. Mas isto acontece no distrital de Beja e em outras divisões.
— Olhando para a sua longa experiência de mais de 30 anos, sobretudo como jogador mas também como treinador, tem notado grandes diferenças na maneira de jogar?
— Tem havido algumas. Por vezes por uma questão de moda. É comum as equipas das divisões inferiores tentarem copiar o que se faz na 1.ª divisão. Eu tive muitos treinadores que tentaram transportar as táticas da 1.ª divisão para as suas equipas.
— O treinador do FC Serpa tem alguma equipa de topo como modelo?
— Tenho o meu modelo de jogo preferido, como disse, mas não posso escolher cirurgicamente os jogadores de acordo com esse modelo, como fazem as equipas de alta competição. O que posso fazer é tentar um compromisso entre a adaptação dos jogadores às minhas ideias e a adaptação das minhas ideias aos jogadores de que disponho.
— O plantel do FC Serpa está fechado ou ainda há ajustes a fazer?
— Nas minhas equipas a porta está sempre aberta, tanto para entrarem como para saírem jogadores. Nunca aconteceu ter de convidar um jogador a sair, mas com a possibilidade de haver inscrições em qualquer altura, isso pode acontecer. E, claro, também pode haver alguma entrada.
— Pode revelar quais são os pontos que considera mais fortes e mais fracos da equipa?
— Posso. A nossa defesa é muito boa e é aí que começa a base de tudo. O meio-campo também tem jogadores que podem permitir que se jogue bem.
— Como é que estas características se encaixam na forma como quer que a equipa jogue?
— Resumidamente, procurando que os jogadores do meio-campo apareçam na zona de finalização.
— Deixemos as qualidades técnicas e táticas e centremo-nos nas físicas. O FC Serpa está de boa saúde?
— Temos trabalhado muito para que esteja. Na época passada, depois de ter saído do Piense, vinha assistir aos jogos do FC Serpa sempre que podia. E apercebi-me de que, depois dos 60 ou 65 minutos, a equipa estava desejando que o jogo acabasse. Ora, as equipas têm de durar até que o árbitro apite para o final, sempre em boas condições físicas ou lá perto.
— Portanto, nesta pré-temporada os jogadores foram sujeitos a intenso trabalho físico.
— Exato e alguns podem ressentir-se disso. Julgo que terá havido menos trabalho desta natureza no início das épocas anteriores e há jogadores que estarão a sentir dificuldades.
— Será esse mais um fator que leve a equipa a poder não estar a 100 por cento no início do campeonato?
— Talvez, mas a recuperação será rápida.
— O facto de, mais uma vez, não haver campeonato de juniores e de o FC Serpa não ter esse escalão, prejudica os seniores?
— Bem, os principais prejudicados são os próprios jogadores juniores. E penso que a nossa associação deverá pensar muito bem no que está a fazer. Refiro-me à implantação das equipas "B", que, do meu ponto de vista, não tem dado grandes resultados.
— Em que sentido?
— Por um lado, tira jogadores às equipas das redondezas com menos recursos, por outro, prejudica os juniores. Não só acaba com as equipas desse escalão como faz com que aqueles que vão para as equipas "B" andem a jogar na 2.ª divisão com futebolistas adultos, já formados e que, bem vistas as coisas, nem lhes ensinam grande coisa.
— Chegámos ao fim. Gostaria de deixar alguma mensagem à equipa, ao clube, aos adeptos, neste momento em que estamos prestes a iniciar o campeonato?
— Gostaria apenas de lembrar que o sucesso e o insucesso de uma equipa não é só o treinador que os faz, são todos. Se somos verdadeiramente uma equipa, então, quando ganhamos, ganhamos todos mas quando perdemos também perdemos todos! A responsabilidade é, pois, partilhada. Gostaria, ainda, de realçar que, aos domingos, são os jogadores que envergam a camisola do clube, são eles que representam a cidade e é neles que os olhos dos adeptos estão postos. E representar Serpa é uma grande responsabilidade. Não pretendo, com isto, descartar-me do meu papel, o que quero é dizer que estamos todos, treinador, jogadores e dirigentes, juntos no mesmo barco.
Fonte: http://www.fcserpa.pt
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