José Saúde
A meia-laranja, situada em plenas Portas de
Mértola, em Beja, era um local onde a rapaziada de antigamente se
juntava para dois dedos de conversa. Nas ruas que ladeavam a lendária
meia- -laranja ficava o mítico café Luiz da Rocha, na outra a famosa
Ginjinha e ao centro a antiga Papelaria Correia. Ali falava-se de tudo.
Os estridentes sons dos velhinhos automóveis que por lá passavam não
incomodavam, eram somente curiosidades da época que obedeciam a fugazes
comentários. O sítio era o ideal para se dissecar o mundo desportivo.
Comentavam--se as novidades, arquitetavam-se objetivos, falava-se sobre
os clubes, enfim, um catálogo de temáticas que resvalavam para a
simplicidade de gentes que levavam e traziam as bisbilhotices que
circulavam pela urbe, ou as novas que chegavam doutros pontos do
distrito. A meia-laranja era uma espécie de jornal noticioso. Nas tardes
em que havia jogo de futebol no velhinho estádio Flávio dos Santos, a
multidão surgia espontaneamente na meia--laranja. Juntavam-se em grupos e
caminhavam pelas ruelas que os conduzia ao estádio. As ruas dos
Açoutados, da Branca e da Biscainha, explicitando as mais vulgares,
albergavam grupos de homens que desembocavam na avenida Vasco da Gama e
rumavam ao encontro de um desafio que merecera ao longo da semana uma
consentânea discussão. Neste deambular pelo tempo, trago à estampa
instantes que nos remetem para o anfiteatro da saudade. Relembro as
multidões que o estádio regularmente acolhia e o ênfase de emoções que o
evoluir do prélio proporcionava a um público que preenchia por completo
os espaços circundantes ao retângulo de jogo. Reflito sobre a azáfama
de crianças que procuravam um suposto pai que as conduziam, pela mão, ao
interior do estádio. Recordo as filas compactas de gentes que se
dirigiam às bilheteiras. Eram os tempos em que o Desportivo de Beja e o
Despertar levavam muitas pessoas à bola. Hoje, tudo se esvaneceu e a
meia--laranja, tal como o futebol, já não é o que era.
Fonte: http://da.ambaal.pt
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