sexta-feira, 5 de maio de 2017

“Mulher na roda não é p’ra enfeitar”


A Escola de Capoeira Gingarte, em Beja, celebrou o 15.º batizado ao mesmo tempo que evocou o reconhecimento, pela Unesco, da capoeira como Património Cultural e Imaterial da Humanidade.

Texto e foto Firmino Paixão


A Escola de Capoeira Gingarte foi fundada há cerca de duas décadas em Brasília, pelo mestre Elson Birrila, e instalou-se na cidade de Beja no ano de 2002, com o objetivo de formar atletas locais e divulgar a modalidade na região.
A capoeira, classificada em novembro de 2014, pela Unesco, como Património Cultural e Imaterial da Humanidade, é tida como uma expressão cultural afro-brasileira que associa uma arte marcial em roda, praticada com a musicalidade da bateria e cantada com ladainhas, chulas e quadras.
Os primeiros sinais desta atividade remontam ao século XVI quando Portugal começou a escravizar nativos da África ocidental, que enviou para o Brasil para saciar as necessidades de mão de obra dos colonos. Os trabalhos forçados a que eram sujeitos e a violência com que eram tratados levaram esses escravos africanos a treinarem a prática destas lutas, originárias do sul de Angola, praticadas em matas com vegetação rasteira, de cuja etimologia resulta o nome de capoeira. A introdução da música não foi mais do que uma forma de dissimular, aos olhos dos patrões e dos coronéis, o treinamento destas técnicas de combate e a expressão de revolta.
O Brasil, através dos escravos africanos e seus descendentes, adotou esta prática, enraizou-a na sua cultura, suavizou a sua dureza, transformando-a numa dança com musicalidade, onde a arte marcial, a luta e os golpes estão presentes. A “bateria” é normalmente composta por três berimbaus, dois pandeiros e um atabaque e é ela que define o ritmo da atividade na roda de capoeira. O batizado é uma roda de capoeira com solenidade, onde os novos alunos recebem a sua primeira “corda”, coloridas consoante a graduação, e os restantes praticantes acedem a níveis superiores. Foi esta cerimónia que, pela décima quinta vez, se realizou em Beja pelo núcleo local da Escola de Capoeira Gingarte, com a presença de vários mestres da modalidade.
João Pinto, mestre da escola de Beja, cuja coordenação lhe foi delegada por mestre Birrila, disse ao “Diário do Alentejo”: “Estamos com 15 anos de atividade, tem sido uma boa luta e já vamos no 15.º batizado, além de que abrimos mais dois projetos em Beja e Salvada, o que acaba por ser muito gratificante e melhor para a comunidade, porque quem quiser experimentar já tem outros sítios onde fazê-lo”.
Sobre a capoeira, concordou que, efetivamente, é “uma expressão cultural associada à revolta dos escravos na luta pela sua liberdade”: “Muita gente pensa que a capoeira é uma dança, mas os instrumentos foram introduzidos para esconder dos opressores o treino de uma arte marcial, mas deram-lhe algum ritmo e acrescentaram muita magia à capoeira”.
Segundo o mestre João Pinto, “nas rodas capoeira de rua veem-se, apenas, as partes ensaiadas, são meros treinos que fazemos, são exibições para divulgarmos a modalidade. Aplicamos um pouco o chamado floreio que é a parte que adorna e dá espetacularidade à capoeira, mas um capoeirista completo acaba por ter a componente da arte marcial propriamente dita, com esse tal floreio que torna o jogo bonito”, porque, afinal, adianta: “Nas competições, torneios e campeonatos existe contacto nos golpes, ao contrário da roda de rua, que é um treino onde simulamos a técnica, os golpes”.
O capoeirista bejense garantiu ainda que “muita gente não vem para a capoeira porque acha que não consegue dar um mortal, mas, se calhar, será capaz de tocar berimbau ou atabaque, ou sabe cantar e pode vir na mesma”.
A capoeira chegou a ser proibida no Brasil “para evitar qualquer atitude de violência na revolta dos escravos”. Atualmente é Património Cultural e Imaterial da Humanidade, um aparente paradoxo, “mas o reconhecimento deveu-se à muita luta e pressão que os mestres brasileiros e todos os praticantes fizeram e que conduziu realmente à atribuição desse honroso estatuto”, diz o mestre.
A capoeira tem três estilos, revelou João Pinto: o estilo Angola, o mais tradicional, o estilo Benguela e o estilo Regional, que mistura os dois anteriores, divergindo entre si na dinâmica de jogo e no apuro da técnica. A bateria rege o jogo, revelou o mestre: “Um jogador que entra na roda compra o jogo ao último que lá entrou e que, por sua vez, deve sair de costas para a roda e de frente para quem ficou no jogo, para evitar os golpes”.
A música que se canta tem sempre a ver com o que se passa na roda. “Se estão duas mulheres no jogo cantamos ‘mulher na roda não é p’ra enfeitar, mulher na roda é p’ra ensinar’. Mas se forem crianças, cantamos ‘aeiou, uoiea, aeiou vem criança, vem jogar’”. E até são muitas as crianças e mulheres que já se veem na roda de capoeira da Escola Gincarte em Beja que fomos conhecer.

Fonte:  http://da.ambaal.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário