sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Bola de trapos, edição de 28 de dezembro de 2018 no Diário do Alentejo

José Saúde
O “Cortiço”
O burgo de Beja perdeu valores desportivos que a longevidade da idade submete o mais incauto cidadão à inexistência de sublimes lugares de outrora e de pessoas que fizeram da cidade um imenso mar de referências. Somos de um tempo em que privilegiamos o profícuo conhecimento de espaços de comes e bebes e de homens que foram atores no prodígio futebolístico. Falo, infelizmente, da morte de Francisco Luís Crujo, vulgo Margato, no passado 9 de dezembro de 2018 e que contava 86 anos. Não sendo um craque de primeira linha, o Chico Margato foi jogador do Despertar e era irmão do Zé e do João, antigos árbitros de futebol. Para que não subsistam dúvidas acerca da sua atividade, apresentamos um onze do velhinho “Rasga”, creio de princípios de 1950, onde se regista a sua presença: Raposo, Passinhas, Margato, Darvim Borges, Torpes, Penas, Carlos Abelha, Fanga, Ramiro, Álvaro e Valadas. A vida do Chico no mundo do trabalho passou pelo Café “Cortiço”, como empregado de mesa. Dele contavam-se “estórias” mirabolantes. Mestre em sensos contabilísticos, quando o freguês lhe solicitava a importância a pagar, o nosso saudoso amigo puxava pela esferográfica, somava as parcelas e em voz sumida expressava para os seus botões: “oito e um nove e vai um”. Comentava-se, à boca cheia, as suas lúdicas distrações na hora do cliente liquidar a despesa. Ou seja, as propositadas sobras lá lhe iam “anafando” os bolsos que entretanto se esvaziariam instantes depois. Aliás, nunca o vi fazer uma vida próspera monetariamente, nem tão-pouco esbanjando tesouros amealhados, acabando os seus dias de vida no Lar Nobre Freire, em Beja. Mas o “Cortiço” era um lugar sagrado para o pessoal da bola. Por detrás do balcão estava a dupla formada pelo irmãos Caetano e Marcelino. O velho capitão Marcelino foi um jogador de classe refinada. Fez e deixou esplêndidas gestas no seu inventário. Quem entrasse naquele mítico Café não fugia à temática da bola que nesses tempos dava brado. Ali ouviam-se as novidades, sabiam-se os resultados e as classificações dos clubes. Ao sabor de uma fina imperial e de um pastel de bacalhau quentinho e com mostarda a adornar o pitéu , trocavam-se conversas, perspetivavam-se as jornadas futuras do Desportivo, em particular, a influência das aquisições de entre outros temas abordados. O “Cortiço” foi um berço por onde passaram homens do desporto vindos de todo o lado. A talho de foice indico, com a merecida justiça, Veiga Trigo, antigo árbitro internacional de futebol, e que por lá passou como funcionário. Resumidamente direi que o “Cortiço” se assumiu como um berço de eloquentes emoções e de bem-vindos falatórios em períodos fulgentes onde o êxtase desportivo absorvia mensageiros que levavam e traziam notícias.
Fonte: Facebook de Jose Saude

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