José Saúde
Ildo, até sempre!
Morreu o Ildo! A notícia chegou ao meu conhecimento como uma bomba-relógio. Primeiro, foi o Veiga Trigo; depois, o Rosa Santos, dois antigos árbitros de futebol internacionais, que me colocaram ao corrente do seu falecimento. A nossa amizade foi sempre segura e dele guardarei eternas recordações. Mas quem foi o ser humano que agora nos deixou e se dedicou de corpo e a alma à prática futebolística ao longo de muitos anos? Irreverente, hábil em lidar com as suas convicções, estilo inconfundível e de momentos na vida em que as privações ditavam planos ousados, Carlos Francisco Fernandes Venâncio, vulgo Ildo, nasceu em 3 de junho de 1945, em Beja, e foi um apreciável jogador de futebol. A sua infância não foi fácil. Oriundo de uma família onde predominava a escassez, Ildo, aos oito anos, rumou a Lisboa e instalou-se em casa de um tio, chefe da Polícia na Esquadra do Rato, um homem que usufruía de uma condição económica estável. Aos 14 anos conheceu o primeiro emprego na Sociedade Portuguesa de Automóveis, uma sucursal da Renault na rua da Escola Politécnica, em Lisboa. No trabalho travou conhecimentos com dois rapazes residentes na zona de Palma de Baixo, lá para as bandas do jardim Zoológico, que o desafiaram para jogar nos juvenis do Palmense, equipa treinada por Saraiva, antigo campeão europeu pelo Benfica, sendo este o início de uma carreira realmente brilhante. Despertar, Desportivo de Beja, Mineiro Aljustrelense e uma passagem por Angola, Benfica de Luanda, rubricam o historial de Ildo, um jogador vezeiro de um futebol tipo “pica-pica”. Com ele partilhei o balneário do Desportivo, sendo que foi também com ele que fizemos a ala direita do clube que, à época, se assumia como o mais emblemático grémio sul alentejano. Mais tarde, o seu velho saber abriu-lhe as portas para orientar equipas do futebol distrital. O Ildo sempre se avocou como fiel adepto do Desportivo. Foram anos como funcionário, onde a sua entrega foi total e de pontuais resoluções. As portas da velha sede, na rua do Sembrano, abriam-se por capricho seu, independentemente das adversidades ocorridas ao símbolo que lhe preenchia a alma. Nos últimos anos, eu já lá vão 14, e ele em tempos mais recentes, fomos companheiros de um infortúnio que dá pelo nome da AVC. A nossa resistência física permitia-nos usufruir do estatuto de exemplares sobreviventes por parte dos técnicos da fisioterapia que atenciosamente nos seguiram. Os dois participámos, em tempos, numa aula na Escola de Superior de Saúde de Beja, para alunos de Terapia Ocupacional, onde falámos nos nossos casos pontuais como doentes de AVC. Fizemos, no fundo, o mesmo percurso de vida. Eu e o meu “compadre”, mesmo martirizados pelo mal, fomos figuras resistentes e deixámos explícito, quer no Serviço de Fisioterapia do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, quer no Centro de Medicina e Reabilitação do Sul, São Brás de Alportel, a nossa imensa ânsia de viver. Ildo, até sempre!
Fonte: Facebook de Jose saude
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