sábado, 14 de novembro de 2020

Bola de trapos, edição de 13/11/2020 no Diário do Alentejo

 

José Saúde
Liso
Vagueio pelas criptas do tempo, enjeito o rigor das tempestades, ou os obscurecidos ventos que sopram dos lados do além e, numa ânsia em escrevinhar pequenas histórias, dou por mim a rever um encontro que o meu amigo Zé Coelho, ilustre futebolista do passado, um dia me proporcionou levando-me junto a um dos antigos craques da bola da urbe de Salúquia. Proponho-me, assim, atravessar gerações e recolher dados sobre faustosas aventuras de jogadores de outrora que nos legaram esplêndidas biografias. Sebastião de Mira Carrasco, cuja alcunha no mundo do futebol ficou registada por Liso, o “artista do golo”, nasceu a 15 de fevereiro de 1920, em Moura, e os seus princípios na bola foram a dar chutos numa velha trapeira. “Comecei a jogar com uma bola de trapos no largo dos Quartéis. Tinha muita habilidade e marcava muitos golos”. Deambulamos, entusiasticamente, pelo seu passado e observamos que a primeira equipa onde atuou chamava-se Zé Bode, como referenciava: “Era uma equipa muito conhecida em Moura por ser considerada a melhor a jogar com uma bola de trapos”. Seguiu-se, aos 14 anos, a turma dos Tamanqueiros, “onde a malta se dava muito bem”. Veio, depois, o futebol mais à séria. “Fui para o Sport Lisboa e Moura, filial número 27 do Benfica, mas logo para o primeiro ‘time’”. Valendo-se da sua então fértil memória, o saudoso Liso recordava: “No Sport Lisboa e Moura jogavam o Pitorra, o Zé Manel, o Lérias, o Manel Raposo, o Sapo, o Manel Paulista, o João Lambuja, o Zé Vicente, o João Preta, o Manel Fernandes, o Leonardo, enfim, um lote de bons jogadores. Os diretores eram o Heitor Raposo e Sargento Bento”. O futebol foi sempre fértil em “casos” pouco, ou nada, esclarecidos. Aliás, quem conhece essa irrevogável verdade sabe perfeitamente as linhas que definem o irrefutável contexto. “O meu pai era de Aldeia Nova de São Bento e em 1938 fui jogar para o Aldenovense. Só que o tempo que por lá joguei foi escasso. Como o Luso de Serpa precisava de um avançado centro, eis que surge a minha inesperada ida para aquele clube”. Porém, esta transferência teve contornos quiçá maliciosos. “Sei que alguém me raptou para que eu pudesse jogar no Luso”. Em 1940, o Benfica enviou-lhe uma carta para a sua apresentação em Lisboa. “Dentro dessa carta vinham algumas notas para pagar a viagem. No Terreiro do Paço estava um senhor à minha espera, que me levou para a pensão Insular. O treinador era o Biri e logo comecei a jogar ao lado do Albino, Espírito Santo, Gaspar Pinto, Navalhas, Rogério, Martins e César Ferreira. Treinávamos no Campo Grande. Um dia, a entrar na sede do Benfica, na rua do Regedor, o porteiro barrou-me a entrada só porque não tinha comigo nenhum documento que me identificasse. Fiquei de tal forma aborrecido que virei as costas a tudo e regressei a Moura”. E foi no Moura Atlético Clube que Liso deu por terminada a sua longa carreira.

Fonte: Facebook de JOse saude

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