José Saúde
O homem das castanhas e o futebol
“Ao canto do outono, à esquina do inverno, o homem das castanhas é eterno… Quem quer quentes e boas, quentinhas? A estalarem cinzentas, na brasa. Quem quer quentes e boas, quentinhas? Quem compra leva mais amor p'ra casa.” Esta é uma pequena estrofe retirada de um fado cantado pelo notável e saudoso Carlos do Carmo, e que nos remete para tempos idos, sendo que as nossas jornadas desportivas domingueiras passavam, estritamente, pela compra de um pacote de castanhas assadas, adquiridas à dúzia, uma vez que a quantidade compensa o comprador. Com as brasas sempre ativas, o homem das castanhas não dava mãos a medir à intensidade dos pedidos solicitados pela irrequieta juventude. A hora do jogo, nesses tempos, era às três da tarde, e ao domingo como era usual, sendo que a ânsia de entrada para o interior do recinto passava por uma avassaladora correria dos garotos que, antes, tinham pedido 25 tostões à mãe para desgostarem a tal preciosidade comestível. Depois, seguia-se a particularidade em ultrapassar o portão que nos conduzia para o interior do estádio, neste caso pontual cito o municipal de Beja, mas sempre com uma fatal certeza: caminhar na fila de acesso ao palco desportivo pela mão de um “pai” emprestado. Para trás ficava o homem das castanhas que continuava a faturar. Os garotos, com o pacote na mão, lá iam saboreando as ditas cujas e assistindo, em simultâneo, ao jogo da bola que evoluía no interior das quatro linhas. A algazarra do público no exterior do retângulo de jogo era ensurdecedora, mas o “puto” jamais largava o embrulho que, aos poucos, lá ia ficando vazio. De vez em quando lá vinha uma castanha podre, só que a criança, expedita na sua vivência juvenil, sabia separar o trigo do joio, ou seja, jogar fora a parte onde o bicho fizera moça e comendo uma outra que, com jeito, seria de aproveitar. É verdade que aquelas tardes passadas a assistir a um jogo de futebol, foram inolvidáveis. O grito do golo, o prazer de galantearmo-nos com um jogada magnífica de um craque, que então fazia furor entre os adeptos, ou a forma como a multidão reagia perante o resultado, assimilava-se à classe de divinal quando a vitória sorria à sua equipa, ou às guerrilhas extra futebol quando o seu emblema perdia em campo, partindo os seus admiradores para irreversíveis quezílias que originavam, normalmente, um flagelo de escaramuças, onde metia as forças da ordem presentes no evento e que, num pleno direito de salvaguardar a ordem pública, lá restabeleciam a segurança. No final do prélio, vivido sempre com ênfase, o homem das castanhas lá se mantinha firme no seu local de trabalho, aproveitando, obviamente, os possíveis tostões que porventura sobraram à miudagem que não recusavam a sua compra, embora numa quantidade menor. Recordo as tardes de futebol do antigamente e toda aquela azáfama do homem das castanhas que, puxando com a força dos braços o seu velho carrinho, lá ia alimentando o seu ego, enquanto os rapazes, persuadidos pelo mundo que os rodeava, agradeciam.
Fonte: Facebook de JOse Saude
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