É no silêncio dos 71 anos, já acumulados neste corpinho, que os meus neurónios teimam, quotidianamente, travar uma infinita luta que me permite, ainda hoje, ir deixando obras para as gerações presentes e vindouras tomarem conta daquilo que foram os tempos passados na nossa aldeia. Ou seja, quem fomos, quem somos e de onde viemos, ou o viver dos nossos conterrâneos em tempos idos, bem como o conteúdo de profissões que o tempo ousou “apagar” da sua elementar cronologia, para além das hilariantes estórias contadas. Pessoas cuja simplicidade marcaram pausadamente a razão da nossa existência.
Sei que a vida me pregou uma partida, e que partida, aquando o meu Cartão de Cidadão indicava 55 risonhas primaveras. Porém, jamais me verguei ante o mal – AVC – que me tentou levar deste maravilhoso cosmos terrestre. Cai e levantei-me de pronto, reiniciando uma longa vida dedicada ao mundo da escrita, não obstante o grau de incapacidade que as sequelas no meu corpo apresentam. Desde a afasia inicial às limitações constatadas no meu lado direito, tudo me aconteceu. Mas, foi na prosperidade da minha ânsia em viver que surgiram à tona da minha mente eloquentes ferramentas, até então escondidas, que me abriram novos caminhos.
Dito isto, fica o meu alerta para aqueles que ainda não adquiriram o meu último livro, o décimo, que o façam. O texto que aqui vos deixo é o tema com que termino a obra intitulada “Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes”.
Para todos deixarei memórias do nosso povo e um eterno abraço de amizade.
José Saúde
Quando um homem se põe a recordar
É inevitável mergulhar nas profundezas das límpidas águas oceânicas que se apaziguam na costa alentejana, ou de viajar entre as searas loiras que rodeavam a aldeia, onde o cantar dos grilos na primavera entoava uma melodia encantadora, e trazer à estampa pequenas lembranças da nossa terra que orgulhosamente definem o que foram as vivências do passado.
Procurei, embora sinteticamente, recordar os tempos antigos, os hábitos, as imagens que entretanto se foram diluindo com o suceder das épocas, as amizades, a pureza dos nossos costumes, de pessoas que deixaram vincadas os seus saberes, ou as suas artes, as fotos que escrupulosamente recolhi, algumas delas oferecidas, mas aonde fica o meu profundo agradecimentos a todos que comigo colaboraram, fornecendo-me essas imagens que trabalhei com um amplíssimo carinho, as suas identificações, ou tirando-me pontuais dúvidas em relação ao tema tratado, ou alertando-me para pequenas hesitações que oportunamente foram dizimadas, o profícuo carácter dos homens no seu trabalho quotidiano, enfim, uma panóplia imensa de narrativas a que me predispôs executar, ficando registada uma obra que eu próprio considero sempre inacabada. Outros, com engenho e arte, que lhe deem continuidade.
Aqui não ficam resquícios sobre a plenitude de pequenos teores feitos com base no bem-querer que nutro pela terra que um dia me viu nascer e que um dia me irá consumir. Aqui “não há filhos nem enteados”, todos foram tratados de igual modo. Reconheço que a narrativa exposta não é completa. Sim, porque “quem conta um conto acrescenta-lhe sempre mais um ponto”. É normal e fica a minha aceitação. Perduram, porém, as muitas horas, dias e meses dedicados a uma investigação que paulatinamente foi tomando corpo e que aqui vos deixo com muito amor.
Quando um homem se põe a recordar, é perfeitamente admissível que nem tudo de momento lhe ocorra. Todos temos histórias guardadas e cada um de nós trabalhamo-las de acordo com o nosso pensar e vivência.
Ainda assim, e não obstante as eventuais animosidades, procurei não desertar dos propósitos a que me lancei quando me iniciei nos trabalhos das “memórias da minha aldeia”. Neste contexto, deixo-vos uma foto, eu sentado na bica de água já desativada no ano de 1969, e que serviu similarmente de inspiração para a execução desta longa maratona, tendo em linha de conta que o meu pensamento, naquele instante, parecia premeditar que o mundo da escrita faria parte do meu futuro.
Obrigado aos meus caríssimos conterrâneos, em especial a todos que comigo colaboraram, e das fotos que despretensiosamente me enviaram, permitindo-me, com a devida vénia, ter conseguido levar “a carta a Garcia”!
Fonte: Facebook de Jose Saude
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