sábado, 6 de agosto de 2022

Bola de trapos, edição de 5/8/2022, no Diário do Alentejo

 

José Saúde
Balizas
Há histórias no universo desportivo que jamais se apagarão no limbo do esquecimento. Naquele tempo as balizas eram feitas em madeira, sendo os postes e as barras exatamente quadrados. Perante uma subtil observação às ditas cujas, conclui-se que as suas arestas se apresentavam agrestes quando um jogador esbarrava, em plena ação de um jogo, com as terríveis quinas. Aliás, houve acontecimentos que ficaram escrupulosamente reservados em memórias de pessoas que assistiram a esses brutais embates com antiquada estrutura e de jogadores que ficavam zonzos com uma pancada que resvalava para uma inesperada lesão. Viajo pela intemporalidade dos quartéis futebolísticos e dou por mim a rever uma situação que arrepiou não só os companheiros de equipa, assim como os adversários, estendendo-se ao público que enchia o Campo da Hortinha, em Alhandra. Estávamos na época de 1969/1970 quando o Desportivo de Beja se deslocou ao Ribatejo para disputar um prélio que contava para uma eliminatória da Taça de Portugal. Nesses tempos, em Alhandra, o acesso ao retângulo de jogo obedecia a uma passagem das equipas, vindas dos balneários, por cima da linha de caminho-de-ferro. O árbitro apitou para dar iniciada à partida e o Desportivo marcou o golo que, no final, lhe deu acesso à passagem para a eliminatória seguinte. Até aqui tudo bem. Mas, a certa altura, um jogador do Alhandra rematou forte à nossa baliza e o guarda-redes, Rodrigues Pereira, num excelente golpe de rins “voou” para a bola e evitou o golo do empate. Todavia, ao cair bateu com a cabeça numa das quinas do poste da baliza e ficou inanimado. A assistência médica foi rápida, seguindo-se o transporte, em ambulância, para o Hospital de Vila Franca de Xira. Todos nós, em campo, ficámos atónitos perante a gravidade da lesão e chegámos a supor o pior. A equipa, quiçá revoltada com a deprimente situação, uniu-se à sua volta, seguindo-se um profundo silêncio. O nosso treinador/jogador Suarez, por razões óbvias, substituiu o Rodrigues Pereira pelo Nói Alves. Lembro-me que o seu estado de saúde nos preocupou, no entanto, cerrámos fileiras, entregámo-nos à luta, baixámos as linhas e lá ouvimos o apito derradeiro do juiz de campo na condição de vencedores. Seguiu-se uma visita da comitiva ao Hospital, sendo que o nosso condiscípulo por lá se manteve e a sua alta médica só se verificou dias depois. Este texto remete-nos, também, para o sentimento da camaradagem da equipa, no seu todo. Com o Rodrigues Pereira recomposto do susto, passadas três jornadas, creio, num jogo em Beja, houve a preleção habitual e o Suarez, expôs o 11, entregando a camisola número 1 ao Nói Alves, que nas jornadas anteriores assumiu, com brilho, a titularidade. Porém, o Alves respondeu de pronto: “Mister” o titular é o Rodrigues Pereira e não eu, por isso esta camisola é para ele e não para mim”. O problema solucionou-se de imediato e a camisola regressou ao seu "dono". Era assim a honestidade de uma lenda do futebol bejense que deixou férteis lembranças.

Fonte: Facebook de Jose Saude

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