sábado, 5 de outubro de 2013

Um ilustre mago da bola…


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Luís Palma, que desde a nossa juventude conhecemos por Luís “Sapatinha”, é um homem bom. Uma pessoa popular na cidade de Beja, afável no trato com o seu semelhante. Um amigo dos seus amigos.

Texto e foto Firmino Paixão

Um homem generoso, não tivesse ele deixado para trás uma carreira desportiva de potencial sucesso, para assegurar o amparo dos quatro irmãos. Um malabarista no domínio da bola, que terá passado ao lado de uma grande carreira por “ter medo de meter o pé”, como se diz na gíria futebolística. Foi isso que um dia lhe disse, em bom castelhano, o técnico espanhol Marcial Camiruaga, que há muitos anos passou por Beja: “Usted tiene habilidad con la pelota, pero como tienes miedo, no vas jugar muchas veces”. Luís reconhece: “Era muito habilidoso, mas era medroso, são coisas que nascem com as pessoas, eu tinha medo e muitas vezes não jogava. O futebol é assim, não se aprende, nem se ensina, nasce com a pessoa, eu podia ter ido mais longe, mas não fui, fiquei por aí perdido”.
Na verdade, o futebol nunca lhe despertou grande interesse: “Tinha que trabalhar para dar de comer aos meus irmãos, éramos cinco, mas eu era o mais velho e tinha que ganhar para os amparar”.
Luís nasceu há 81 anos, na antevéspera de Natal do longínquo ano de 1931, casou há cerca de meio século com a sua inseparável companheira, Maria José, e depois de alguns anos a trabalhar na construção civil foi admitido na Câmara Municipal de Beja para o pavilhão desportivo, espaço onde ambos passaram mais de 40 anos a cuidar das instalações e a receber as turmas de jovens que ali praticavam desporto. Para todos eles tinha uma palavra de apreço: “Estimei sempre os jovens que aqui vinham, agora são homens, gostavam muito de mim porque eu tratava-os bem, ainda hoje, que são adultos, sinto que ficou essa amizade. Com a minha mulher era a mesma coisa, ela foi sempre uma mulher fantástica, nem tenho palavras. Quando recordo esses tempos até me dá vontade de chorar”.
De resto, a nossa conversa à sombra do pavilhão João Serra Magalhães, designação que merece a sua inteira concordância, decorreu sempre com uma ponta de emoção a bailar entre as palavras tímidas de Luís. Sobretudo quando vinha à baila a sua companheira de sempre: “Somos muito felizes, duas almas gémeas, toda a gente diz que somos um casal maravilhoso”. Mas, quem da nossa geração não recorda este “mago” a dar voltas ao estádio, sempre a tocar uma bola, sem a deixar cair ao chão?
A sua carreira desportiva durou quatro a cinco anos, sempre no Desportivo de Beja, onde, para além de Camiruaga, privou com outros treinadores: “Conheci o Manuel da Costa, que jogou no Benfica e na Académica, o Juan Olajos Hrotko, que foi treinador do Barreirense, também o Manuel Trincalhetas, todos eles gostavam muito de mim”. E lembra os tempos em que jogava no largo da feira contra a equipa do Pax Júlia. Mas conta ainda que quando estava cá Juan Hrotko como treinador, fez alguns treinos com ele, mas afastou-se. “Mais tarde voltei a aparecer no estádio, estava o Desportivo a treinar e a malta foi para trás da baliza fazer a nossa peladinha, estava mais gente a ver-nos jogar do que, propriamente, a ver o treino do Desportivo. Às tantas, ele desconfiou de qualquer coisa, parou o treino e veio à linha. Viu-me a jogar e chamou-me – ‘Então, tu não és o gajo que costumava vir aqui treinar? Vai-te lá equipar, homem!”’.
 Mais tarde ainda passou pelo Atlético e esteve até convocado para jogar contra o Vitória de Setúbal, mas não tinha cartão de jogador “e o árbitro não deixou”. “Os tempos eram outros, havia muita dificuldade para tudo”, sublinha, recordando um episódio que lhe marcou a juventude: “Morava no Bairro Operário e um dia vinha de casa para o trabalho dando toques numa bola, mas vinha um polícia atrás de mim e quando a bola caiu ao chão disse--me – ‘Oh rapaz, dá cá a bola’. Eu dei-lha, era a bola com que jogávamos ao domingo e que eu guardava na minha casa”. Mais tarde veio o veredicto: “Apareceu um papel debaixo da minha porta a convocar-me para ir à polícia, não fiz caso, mas surgiu um segundo papel para ir ao tribunal. Lá fui, já lá estava o polícia, com o juiz, que me disse – ‘Não sabes que não se pode jogar à bola na rua?’ Respondi que só tinha dado duas cabeçadas na bola e ele disse-me – ‘Olha, matar um homem ou matar dois é igual’. E pronto, apanhei 45 escudos de multa e quando revelei que não tinha dinheiro o juiz disse-me – ‘Vai juntado e quando estiver todo trá-lo cá”’.
Pelo meio da efémera carreira, teve inspiração para fazer umas quadras à equipa: “O guarda-redes Bailão/Passinhas à sua beira/com o Honório e o Ameixa/terão brilhante carreira/com Soares e Marcelino/com o Narciso e Sardinha/Com Brás e Vicente do Ó/e também o Sapatinha”.
Mas, “Sapatinha” porquê?, quisemos saber: “Por causa do Manuel Ameixa que jogou no Elvas e no Setúbal. Veio para cá queimar os últimos cartuchos e um dia eu, que aparecia descalço para jogar à bola, apareci com umas sapatilhas brancas e ele disse-me – ‘Olha o sapatinha branca’. E assim ganhei a minha alcunha”. Uma história simples, um registo que Luís merecia legar para memória futura.

Fonte:  http://da.ambaal.pt/

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