segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Bola de trapos, edição de 3 de janeiro de 2020 no Diário do Alentejo

José Saúde
Reproduções desportivas
Numa viagem pelos paradigmas de um tempo já sem tempo, hasteio uma bandeira repleta de esplêndidas cores onde a saudade envia os idealistas para momentos inesquecíveis que o desporto proporcionava a todos que apontavam como meta a inteligível fama. Porém, poucos atingiram essa ancestral ambição, mas dessa passagem pelo futebol ficaram registadas imortais reproduções desportivas. Lembro o início das épocas em que se aplicava a carga física nas primeiras semanas de preparação. Tardes onde a dureza das extensas correrias pesavam em excesso numa massa muscular que irrepreensivelmente denotava cansaço. Tocar na bola era matéria proibida. O treinador objetivava a elaboração da nova temporada e tudo se processava de acordo com os arcaicos métodos herdados. Prevalecia a experiência adquirida como jogador. Desses anacrónicos processos levados à prática, revejo adereços que presentemente deslizam para o campo de profundas interrogações. Ou seja, falar da realidade de antigamente apresenta-se como um folclore de divagações que esbarram num tumultuoso mar aonde os processos de ontem em nada se compadecem com aqueles que agora conhecemos. Nas pálidas aguarelas de um aforamento já distante, revejo procedimentos em que os atletas eram sujeitos a hábitos concertados e que visavam o preparar eficazmente mais uma longa caminhada competitiva. Ocorre-me, por razões óbvias, mencionar as massagens com a famosa “borqueja” e os banhos de imersão. Esta veterana leviandade leva-me a recordar o “tio” João Salgado, mestre na arte da composição que o conteúdo da dita cuja originava. Sendo as pernas membros capitais para um infalível empenho do jogador ao largo de um desafio, era trivial, cito designadamente o meu caso como juvenil, às sextas-feiras à noite uma ida à sede do Despertar, situada na antiga Rua das Lojas, em Beja, e sermos sujeitos a esfregas nos membros inferiores que ardiam como ferro a sair de uma forja alimentada a carvão de pedra. Mas as recordações não se quedam pelas obsoletas solicitações de quem ordenava essas sofisticáveis ações. Recordo, como sénior, os banhos de imersão na cabine do Desportivo de Beja. Ao fundo do balneário, à direita, lá estava uma mini piscina aquecida onde a malta debitava excelentes momentos de relaxe após mais uma sessão de trabalho. A ordem era tudo para dentro de água e fé em Deus. Neste contexto, evoco, com tristeza, um fatídico incidente que em tempos anteriores ocorreu com Luciano, defesa central do Benfica, que perdeu a vida em pleno Estádio da Luz num desses banhos de imersão. Valeu, na altura, a destreza de Jaime Graça que reagiu de pronto ao corte da corrente num dos quadros elétricos, senão a desgraça ter-se-ia dimensionado de forma muito mais gigantesca. Enfim, reproduções desportivas de outrora que a memória teima em preservar e que os leitores mais usados inevitavelmente recordarão.
Fonte: Facebook de Jose Saude.

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