sábado, 12 de março de 2022

Retalhos de uma vida

 

Parte II
Estou velho!
Numa elementar reciclagem feita à razão da minha existência, revejo, com saudade, a mocidade perdida e uma vida preenchida de aventuras e desventuras. Ninguém é perfeito e eu também o não fui e nem tão-pouco o sou e, logicamente, jamais o serei.
Existiu sempre no meu ego o espírito de aventura, ora quando a adrenalina me levava ao êxtase, ora quando o momento implicava uma maior concentração, tendo em conta o passo seguinte que, por força de uma razão maior, teria de ser dado. Mas nem sempre as coisas funcionaram da melhor maneira. É natural e aceito esses ímpetos momentâneos. Errei, tal como todo o ser humano. Ninguém é exemplo imaculado.
Sai do meu recanto sagrado, ou seja, da minha sempre querida e adorada Aldeia Nova de São Bento, muito novo com destino a Beja, urbe onde concluí a instrução primária. O mundo da bola traçou-me o destino. Do Despertar ao Sporting, com uma passagem pelo Benfica, foi o desenho traçado e fundamentalmente concluído. Depois, veio o Desportivo de Beja, o FC Serpa e o Atlético Aldenovense.
A seguir veio o cumprimento do serviço militar obrigatório. De Tavira aos Rangers em Lamego, sendo o quartel em Penude, foi um estreitíssimo passo. Seguiu-se a Guiné, onde cruzei a guerra com a paz. Ali conheci uma outra realidade. Uma realidade onde os odores africanos se cruzaram com o “cantar” das armas. Regressei, felizmente, tal como parti. Apenas mais velho de idade.
No regresso de África um emprego em Lisboa assinalou a minha volta à capital do Império. Regressei à velha Pax Júlia e em princípios da década de 1980 dei os primeiros passos no maravilhoso universo do jornalismo com o meu saudoso amigo Delmiro Palma, no jornal “O ÁS”.
Trabalhei, em simultâneo, para vários órgãos de comunicação social desportiva, quer regionais quer nacionais, ficando a certeza que o jornal “A BOLA” terá levado o meu nome além-fronteiras. O jornalismo preenchia a minha profícua mente. Um dia, em finais de 1990, lancei o primeiro livro, seguindo-se uma segunda obra. Em 2006, com 55 anos de idade, fui “contemplado” com um AVC que me deixou entre a vida e morte. Sobrevivi.
Limitado a uma cadeira de rodas tracei cenários quiçá inimagináveis. A mente, porém, comandava o corpo, logo a minha luta titânica passava pelo regresso ao mundo da escrita e ao seio de uma sociedade que me fora sempre cordial. A mente, essa fascinante ferramenta de que todos somos possuidores, estava limpa, não obstante a afasia entretanto manifestada. As palavras não saíam com a fluidez que antes me era comum.
Mas eis que comecei a vislumbrar o caminho do futuro. Regressei ao mundo real e ao computador, principiando-me a elaborar textos para os leitores contemplarem. Em 2008 surgiu o convite do Diário do Alentejo. Aceitei e não mais parei. Paralelamente ressurgiu a veia de escritor e toca a lançar livros, sendo o último, o décimo, com a chancela da Editora Colibri, “Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes”.
Este apurado texto, sendo bastante exíguo, reconheço, reproduz os retalhos de uma vida de um ser humano que leva 71 anos contabilizados (15 de AVC) e que assumindo um raciocínio lógico me leva a concluir: Estou velho! Sim estou velho, mas ainda pronto para continuar hirto ao cimo deste globo terrestre, embora reconheça que as minhas limitações físicas já pesam no meu corpo. Mas, estando velho, confesso, sinto-me capaz em continuar a senda da escrita. Que venha a próximo!
Para trás ficam imagens de anteontem, de ontem e de hoje. Somos, afinal, pequenas gotas de orvalho que se diluem em pequeníssimos ciclos de vida.
Zé Saúde
Fonte: Facebook de JOse Saude

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